7 de novembro de 2011

Mais do que prezo

Eu era uma meninota quando vi, num daqueles programas populares e cotidianos que Regina Casé apresentava, uma entrevista que ela fez com um rapaz dentro do carro dele: um automóvel todo enfeitado, cheio de penduricalhos e mostras de sua personalidade exorbitante.

Em certo momento, em meio à conversa descontraída, Regina disse ao moço:
– Eu queria ter nascido homem.
Ele emendou na lata:
– Eu também.

Regina gargalhou. Eu ri junto com ela. E achei fofo. Criei carinho instantâneo. Contei esta história mil vezes na época e ao longo da vida. Nunca esqueci esta cena. Empatia de quem entende de desajustes, talvez.

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Eu tenho mania de querer ser amiga de gente que não conheço. E que muito provavelmente não conhecerei. Gente cujos olhos e atitudes me fazem acreditar que seríamos bons companheiros. Eu queria ser amiga do moço que queria ter nascido homem. E de Lula, Marieta Severo, Sean Penn e, recentemente, de Janelle Monáe.

Quem sabe eu confie demais nas impressões imediatas que tenho das pessoas. Quem sabe estes preconceitos – que não escapadamente são do que isto se trata – acabem me afastando de bons sujeitos, ou me aproximando de bons atores. Mas não consigo fazer diferente. Nem me esforço para tanto. Acredito na boa percepção que tenho das coisas da vida, sou doentemente observadora e minhas leituras, no fim das contas, costumam me poupar desgastes. Não gosto de perder tempo. Gosto de ter clareza do que me atrai e do que me repele. Conheço essa lista. Acredito no que sinto.

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Silvana gosta de ler os nomes das pessoas grafados por aí. O nome da amiga Cláudia estampado na capa da revista batizada da mesma forma a atrai. Por isso, ela me deu de presente uma garrafa de Doña Paula e, tempos depois, uma bonequinha jogadora de tênis que também é minha xará – ainda encaixotada, ela enfeita a estante de minha sala como um sinal do carinho que Silvana me ensina existir livre e solto pelo mundo.

É que de fato não é difícil reconhecer, mesmo de longe, quem tem peças que encaixam nas nossas. Quando olho para minha boneca Paula, lembro que não é preciso fazer esforços hercúleos para sermos queridos. Que relações não precisam derivar de batalhas. Que conquistas não devem ser alívio de labutas. Que débitos, desequilíbrios e desgastes não são saudáveis. Arturo me disse esses dias: “Eu já entendi que quando parece que você precisa lutar, na verdade, é pra desistir”.

Silvana e eu nos conhecemos há já alguns bons anos. Não posso dizer que somos exatamente amigas, mas a gente se curte, se paquera e se cuida de um jeito nosso. Eu e ela também dialogamos muito através de nossos textos (e, nossa, quantas e quantas vezes me vejo em suas palavras!). Acho bonito como Silvana mergulha em si mesma, os questionamentos que ela se faz, a forma como se desafia. De certa maneira, parece, sabemos que podemos confiar e contar uma com a outra. É simples, é sem cobrança e pronto: de repente, um mimo, uma escrita, uma conversa, uma mensagem no celular, um encontro agradável. E assim, com seus sinais de delicadeza, Silvana me faz atentar para o prazer de poder ser afetuoso, de fazer surpresas, de nutrir sorrisos.


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Não. Eu não sou fofa. Dou, aliás, cada vez mais valor à inestimável importância da intolerância. Mas sou honesta. Cada afago que ofereço é reflexo de minha busca por contribuir para a felicidade daqueles que estimo. E gosto de ser profunda.

Não há nada de superficial no meu convívio com Silvana, por exemplo. Nem com outras pessoas que escolho participarem dos meus dias sem, necessariamente, termos intimidade, confidências trocadas, telefonemas frequentes, visitas agendadas. Tem gente que eu gosto, e muito, que eu admiro, e muito, sem compromisso algum. Mas com comprometimento, cuidado e respeito. Aposento-me de quem não se preocupar igualmente com o meu bem-estar.