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26 de julho de 2011

Minha criança

Há um tempo, já alguns meses, meu amigo João Carlos Sampaio postou em seu perfil no Facebook uma foto dele criança, num jardim caseiro, em que, ao fundo, vê-se uma senhora catando flores.

Na legenda, o seguinte texto:
“Sempre que olho essa foto (minha amada vó ao fundo) fico pensando se eu consegui ser justo com este menino, o que fiz dele... o que faço dele todos os dias... esse garoto, com um olhar tão intenso, me cobra muito... não sei se o decepcionei, se o decepciono... é tão difícil!”

Olhar minha vida sob esta perspectiva passou a ser um impulso frequente: será, Paula Berbert, que você está honrando o sorriso puro e cheio de esperança da criança que você foi? Será este o futuro que aquela menina merece?

Quando vejo minhas fotos de infância, sorrio para meus próprios olhos tão brilhantes e puros, reflexo de uma felicidade ingênua que existia apenas ali, em cada instante registrado de um tempo em que a vida se justifica em cada lúdico segundo de liberdade plena. Então eu penso: todas as crianças deveriam mesmo poder ser livres. E me entristeço por aquelas que não são.

A criança que eu fui não foi personagem dos melhores contos de fada. De forma alguma. E falar disso me faz lembrar de quando minha então recém-nascida irmã foi fazer o teste do pezinho e abriu um berreiro apavorado, soluçado. No mesmo instante, uma neném ao lado, ao ter o calcanhar furado, permaneceu imóvel e calada. A mãe justificou: ela nasceu pré-matura, acabara de sair de longo período no hospital, passou todos os dias desde o nascimento tomando injeções. Devia estar achando que viver era sinônimo de levar agulhadas. As crianças se adaptam com a facilidade de quem ainda não foi enrijecido pela dor. E me entristeço por aquelas que têm de conviver cotidianamente com o sofrimento.

Felizmente, as lágrimas de minha infância não foram ignoradas e meu pai, na infinita sabedoria de seus 20 e poucos anos, não me deixou acostumar com as severidades das circunstâncias. Com carinho e paciência, ele me ensinou que a verdade dissolve qualquer medo. E que minha felicidade é digna de muito respeito.

Hoje, dia em que tive a melhor sessão de terapia de todos os tempos, fui mais uma vez remetida à criança que eu fui. Porque eu faço muita questão de manter as coisas dela em mim. Porque eu sou essencialmente leve e desengessada, apesar de qualquer coisa. E é assim que preciso viver: com o coração tranquilo e com a vontade ingênua de encontrar alegria em tudo, até mesmo nas reconstrutoras tristezas. Foi deste modo que me tornei gente. É esta mulher que minha criança aplaude contente em meus sonhos.

24 de abril de 2011

Aí é assim

Não tenho memória de uma Semana Santa que tenha sido assim tão tarde. Tão fim de abril. Tão perto de meu aniversário. Também não lembrava de como eram dias de folga em calmaria. Os últimos foram nas férias, com verão, com viagens, climão de vida em ebulição. Eis que juntou tudo: a preguiça, o mito do inferno astral, a vontade de curtir minha casa, o friozinho, a comilança, o recolhimento. Tenho estado muito próxima de minha intimidade. Tenho mantido contato com desafios internos, perguntas que me faço em segredo. Que só compartilho comigo. Que só eu posso dar conta.

Muita gente tem dificuldade de falar do que sente. Também não sou rainha em me expressar bem. Por isso, sempre usei a palavra escrita como saída para quase tudo. E tenho gostado de não estar recorrendo a isso. Estou dialogando comigo mesma em pensamento, observando minhas atitudes, tentando responder minhas questões com ações, na prática. Acho que nunca fui tão consciente – e em vez de transformar meus dilemas em cartas e teorias, tenho os experimentado. Com menos ansiedade, com mais ponderação, mais sensatez, mais segurança. Porque antes de entender o que o mundo quer de mim, preciso entender o que quero do mundo. Então estou calmamente vendo como as coisas são, o que elas dizem e como me posiciono diante delas.

Aí é assim:
Eu queria que fosse. Mas não é. Faço o quê com isso?
Eu queria que não fosse. Mas é. Vamos nessa.
Eu queria que pudesse. Mas não pode. Como seguir?
Eu queria que não pudesse. Mas pode. Quero isso?

É um exercício e tanto não ter pressa.
Aceitar as lentidões dos processos.
Mesmo que, numa leitura imediata, isto pareça apatia. Aceitação.
E né não. Né não.

Os trinta estão chegando com cheiro bom.

12 de fevereiro de 2011

Narcisa

Modéstia embaixo do tapete:
a Paula 2011 é a melhor Paula que existe.
Disparado.

25 de janeiro de 2011

Desintoxicação

Certa vez, passei um dia inteiro à base de uma lista de tenebrosos sucos de misturas de ingredientes que não combinam, coisas como maçã com espinafre, beterraba e ervilha, porque aquilo prometia desintoxicar meu organismo. Há infidáveis receitas e dietas de desintoxicação que nunca soube direito se realmente têm fundamento. Mas eu tentei. Às vezes a gente sente esta necessidade de limpeza.

Estar numa cidade cuja até lógica do trânsito é invertida em relação àquilo que vi em todos os momentos dos meus quase 30 anos tem sido uma efetiva e completa lavagem. Tudo se renova diante do olhar, dos ouvidos, de todos sentidos. Os cheiros são novos, os gostos também, a textura do ar é outra, o frio me aquece intimamente e os símbolos precisam ser decifrados. É uma desintoxicação ambiental. E de alma. Limpa tudo para abrir espaço ao que é desconhecido e que me pede atenção em cada rua atravessada, cada tentativa de diálogo, cada vez que me perco entre as moedas que não me são familiares. Nada é automático. Nada é por costume, rotineiro, cansativo, repetitivo. Nenhuma paisagem é comum nem passa sem ser vista. Tudo se absorve. O óbvio torna-se inexistente. Todo segundo que se concretiza é uma nova surpresa que torna o dia mais inteiro. Mais meu. Mais eu. É preciso estar muito consigo para viver a experiência de desvendar o que nos cerca.

É deliciosamente esquisito não estar localizada, não ter um background que anteveja o que há na próxima esquina, na próxima abordagem. São rostos e tipos diferentes, arquitetura deslumbrante, um emaranhado de línguas e sotaques, tanta coisa para descobrir. Ao mesmo tempo, é fantástico, a cada dia, começar a reconhecer a segurança de que sei voltar pra casa, e desenvolver habilidades. Sozinha. É sozinha que tenho estado a maior parte do tempo, mesmo que acompanhada por gente que nunca vi antes, e que não verei de novo. Sozinha dormirei esta noite, o que estranhamente causa uma sensação de pertencimento. Estou pertencendo a Londres e Londres parece existir só pra que eu esteja aqui, amando tudo.

31 de dezembro de 2010

Para 2011 e para a vida

Ouvir meu coração, quando for para o meu bem.
Ouvir meu racional, quando for para o meu bem.
Não boicotar a plenitude de minha dignidade.
Honrar o meu merecimento.

21 de dezembro de 2010

Interpretando sonhos

O amor queria me levar pra um lugar que eu nunca fui. Era um oceano em forma de banho de mar. Era entrar num íntimo de quem pode se dispor a dizer sim. Era aceitar dividir os tesouros. E os sorrisos. E os segredos. A própria vida. Mas as praias estavam cheias, o transporte era irresponsável e o caminho foi alterado. O sol, como de costume, me incomodava. O mar virou piscina. Piscina com muita gente, pública, constrangedora. A piscina virou pia. Que podia até matar a sede, caso a água não fosse suja. Saí escondida, acenando de longe, porque tenho vergonha. Voltei sozinha e assim fiquei, em meio a pessoas que não mais fazem parte do meu mundo. Envolta pelas barreiras. Nada mais estava sob meu controle. O amor não conseguiu saciar sua vontade.

6 de dezembro de 2010

Segunda-feira

Eu tive um pesadelo cujas imagens me acompanharam o dia inteiro e continuo aqui, firme. Eu senti saudade e tive todos os convites possíveis negados, ainda assim continuo: firme. Estou exausta e fazendo contagem regressiva de quantos dias úteis me separam das férias, e haja raça para aguentar estes próximos 12 compromissados expedientes de labuta. As pendências de dezembro, de 2010 inteiro, ficam piscando em minha frente e respiro fundo para encará-las: e assim tenho buscado eficiência numa rotina de gincana. Assumi o papel de organizadora do amigo secreto da família e de compradora de ingressos do show do U2 - do primeiro, dei conta; do segundo, estou levando rasteira (vou já desistir antes que eu dê um chute no computador). Tenho de fazer mercado e compras de Natal, mas nem sei quando terei tempo (e coragem) - e tem de ser antes de sexta-feira. Não sei onde passarei o réveillon, mas também não estou muito preocupada; no fim das contas, estarei bem rodeada. Além dos peitos doendo, parece que todo o resto é culpa da TPM. Antes fosse.

Tem dias que não combinam com serenidade.

3 de dezembro de 2010

Ciclando

Tenho andando confiante. Uma beleza. Sério mesmo. É bom estar otimista. Geralmente, não sou. Também não sou lá uma pessoa de pessimismo, mas racionalizo demais para ficar serelepe com previsões futuras. Na real, quase não penso nas coisas do amanhã. Sou do agora. Não sei lidar com o que não é ainda. E nem me vinculo ao que não possa ser desistido ou desfeito. Quero estar sempre livre para seguir minhas vontades: qualquer surto, bom ou ruim. Filhos? E se depois eu não mais quiser ser mãe? Como volta atrás?

Fato é que, apesar de muitíssimo cansada e ávida por botar meus pés para cima com a cabeça desocupada, estou leve. O que não é sinônimo de calmaria. Há uma fartura de perguntas que não sei responder. Mas estou cheia de certeza de que, ainda que existam coisas fora do eixo, tudo está no caminho certo. Em algum bom lugar vai chegar. Enquanto isso, vou aproveitando - com a satisfação indescritível de estar redescobrindo, de novo e de novo, a minha liberdade, que é o que tenho de mais forte e íntimo. Eu vivo brincando com esta sina. Não precisar de controle sobre o passo seguinte me faz ser eu.

Meu mais severo compromisso é ser bem-resolvida.
Ou, pelo menos, me sentir assim.

7 de novembro de 2010

A morte de Tom e a minha vida


Quando Tom morreu, eu, além de muitíssimo triste, passei dias seguidos bastante assustada. Eu já não estava bem. E a morte dele foi algo que fez o meu sofrimento chegar à exaustão.

Tom era uma das raras pessoas com quem eu conversava abertamente. A gente nunca fez o tipo amigos grudados, mas estivemos presentes na vida um do outro por muitos anos. Entre tantas farras, andanças, histórias, nos esbaldávamos mesmo quando sentávamos só nós dois, na mesa de um bar ou da piscina do prédio onde ele morava, para falar da vida por horas a fio. A gente descobriu muitas coisas nesses papos. A gente encontrava respostas, filosofava junto. Foi assim que, certa feita, quando eu disse a ele que meus verdadeiros amigos não enchiam a contagem de uma mão, ele perguntou se poderia ser o meu dedo mindinho. E eu entendi que ele seria mesmo sempre um dos meus seres humanos preferidos.

Vi fotos dele no show de Los Hermanos, na Concha Acústica, na noite de 18 de outubro. Ele estava contente, sorrindo. Lembrei que a música que embalava nossos encontros era quase sempre a deste quarteto de que ele tanto gostava. Gostar de Los Hermanos era uma das nossas inúmeras afinidades.

No dia anterior, eu havia ido ao mesmo show e saí extasiada. Foi muito lindo. Imagino então que as últimas horas do meu amigo foram muito especiais.

Ao mesmo tempo que isto consola, me causa uma angústia imensa. A de não saber em que momento a vida estará acabando. A falta de controle sobre a morte é a coisa mais óbvia e mais certa: a qualquer momento, podemos não estar mais aqui. E isto me apavora.

Não tenho medo de morrer, especificamente. Tenho medo mesmo é de estar vivendo a vida errado. Tenho uma fixação descontrolada com isso. De desperdiçar, de não estar sendo intensa com tudo. Até porque, mesmo sendo uma pessoa de alma hedonista, tenho uma tendência ao marasmo. E me sinto obrigada a lutar contra ele.

Às vezes, no entanto, eu me perco. Às vezes, quando vejo, estou congelada.

Quando eu fiquei mais de um ano inteiro apenas trabalhando e trabalhando, dormindo quase nada e alheia à maior parte das coisas do mundo, meu irmão disse para eu ter firmeza, porque valeria a pena e logo melhoraria. Decidi que assim seria. Hoje, minha vida é outra, meus compromissos são outros e posso minimamente desfrutar de minhas conquistas. Trabalho com o que gosto: o que é o melhor e porque é só assim que sei fazer.

Preciso agora, no entanto, pensar em novos desafios. Construir mais. Ser menos enrolada com o que desejo e mais decisiva com meu bem-estar. Quero estar tranquila com as finanças, claro, e não precisar virar noites para dar conta de tudo que assumo. Quero uma vida profissional que sirva para me permitir estar bem. Só isso.

Nos últimos tempos, me dei conta de que tinha voltado a ser uma máquina produtiva. Dia e noite, noite e dia, de domingo a domingo, eu dizendo: tenho que trabalhar. É meio sintomático. Porque não há nada em revolução agora. Simplesmente entrei no ritmo, sem prestar atenção no resto. É meu escape. E não tenho sangue de ser assim. Mesmo adorando realizar bons serviços, mesmo sendo dependente da satisfação de ter resultados elogiados, minha prioridade não é fazer fortuna nem ser a profissional do ano.

- Lembra que você me disse que tranquilamente viveria sem trabalhar?
- Lembro!
- Lembra que você me disse que seria uma dondoca com orgulho? Que pra você trabalhar é só o preço que a gente paga pra poder viver?
- Sim...
- Pra que merda você me falou isso, dona Paula?

Foi o que Tom me perguntou na última vez em que o encontrei. E estava pirado porque achava que eu tinha de certa forma validado as irresponsabilidades dele... Não tive outra oportunidade para dizê-lo que infelizmente a loteria é privilégio de poucos e que não há muita escapatória. A não ser se enfiar no mato e vender artesanato. Não era para ele, não é para mim.

Eu sou urbana, gosto de viagem, de sair à noite e de tomar cerveja. Gosto de comida, de ar-condicionado, de banho gostoso, de ir a shows. Gosto de ler, de escrever, gosto de cultura, gosto de contribuir com boas causas. Gosto de internet, de saber das coisas, de aprender e discutir sobre o mundo. Gosto de estar entre pessoas que admiro, gosto demais de admirar pessoas.

Não tenho um olhar poético sobre a natureza e não costumo me encantar com o verde das árvores ou o azul do céu, mas me emociono profundamente com certas coisas da humanidade. Adoro identificar pessoas como minhas e não consigo deixar de prestar atenção no que imagino que sentem e pensam pessoas que não conheço. Às vezes crio histórias para desconhecidos, acho que adivinho suas dores, e fico sentida. Não que eu me interesse pelas pessoas, a priori. Mas me interesso por sentimentos. Também me instigam argumentos e experiências. Procuro explicações para as coisas e muitas vezes me sinto psicóloga. Adoro teorias, mas também só se puder colocá-las em prática.

Minha vida está nos meus amigos, na minha família e no prazer que tenho de reconhecer a minha dignidade. Participar da vida de quem me escolheu e a quem eu escolhi é uma delícia. Não me preocupo com bobagens, não guardo rancores e não me vinculo ao que não quero. Ignoro solenemente o que acho que merece minha indiferença. Acho que não há por que levar tudo a sério. Só me comprometo com o que amo.

Tenho um olhar positivo sobre as coisas, ainda que eu carregue um mau-humor próprio que me deixa ranzinza, às vezes. Digo sim. Quero que tudo seja o melhor que puder ser. Sou do fulminante. Do até não poder mais. Eu sou uma pessoa apaixonada.

Uma vez, Tom me fez concordar, e repito isso sempre, que a gente se apaixona pelo que a gente escolhe. "A gente não se apaixona por quem a gente não se apaixonaria, a não ser que seja de propósito". Apaixonar-se é também permitir-se e estar disposto.

Me faz feliz estar disposta.
É com isso que preciso me sentir vinculada para viver em paz.
Sem medo de ser em vão.



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Minha amiga Rafaela Manzo escreveu um lindo texto para Tom.
Leia aqui.

6 de novembro de 2010

Texto adolescente

Há muito tempo minha cabeça não se enchia assim de tantas perguntas.

Na média, eu sempre estou me avaliando muito, fazendo autoterapia, tentando entender como acabei indo parar onde estou. Mas às vezes acontece de eu desconectar total e ficar num movimento automático, por vezes relaxante, noutras letárgico. Frequentemente isso acontece em momentos de excesso de trabalho, ou de excesso de rotina, ou de excesso de preguiça. Ou outras coisas.

Daí que quando algo estala, a sensação é mesmo de um represa que se abre. A imagem clichê do acúmulo de água transbordando verozmente pode ser tão bela quanto devastadora.

Escrever um pouco - pública ou restritamente - me é a melhor maneira de organizar meus turbilhões. Não sou prática como deveria, nem bem resolvida como gostaria, então eu me anoto, me ordeno e me obrigo a ser feliz como acredito que mereço.

12 de maio de 2010

De morna, só quero a água do banho*

Eu gosto de assistir a filmes no escuro, sem saber do que se trata. Escolho pela cara, pelo jeito, pela categoria, pelo diretor, pelos atores. Jamais leio uma sinopse. Sinopses são uó.

Quando Meryl Streep está no elenco, é certeza de que vou gostar. Sábado fui fazer uma limpa na locadora e peguei Julie & Julia, sem ideia do que viria pela frente. Comecei a ver com o namorado e ele dormiu – e eu fiquei me deliciando com aquela história simples, porém encantadora. O engraçado é que, mesmo com a rotineira enxurrada de elogios e prêmios à atuação de Meryl, esta foi a primeira vez que não a achei fantástica. Sei lá. Eu não esqueci que ela estava lá: eu a via interpretando, sabe como é?

Enfim. Não é disso que quero falar.

O caso é que Julie & Julia, mesmo tão despretensioso, me fez ficar pensando em um monte de coisa. Era eu vendo e ficando reflexiva, feliz, questionadora. Eu gosto do que consigo entender. Não sou uma pessoa de empatia automática.

E lá estavam elas, a Julie e a Julia, cheias de atitudes e desejos que são ou que podiam ser meus. A sede de vida, a curtição dos detalhes, o chamego com o marido, os exageros, os trejeitos, o otimismo de Julia. As inseguranças, a idade, as buscas, as inconstâncias, impaciências, decisões, mancadas, cobranças e superações de Julie. Julie também, assim como eu, se virou como pôde para encontrar maneira de viver com prazer uma profissão que ela não sabia direito qual seria. E, desta vez, ela e eu fomos até o final.

Julie & Julia me fez olhar ao redor, para a minha casa, meu novo lar, com ainda mais felicidade. Ainda mais orgulhosa de estar aqui, rodeada por coisas minhas – escolhidas e arrumadas, cada uma, com todo cuidado e carinho. De estar do jeito que quero, vivendo conforme minhas opções. Nada faz parte de minha casa ou de minha vida por obrigação, porque tem de ser, porque não pensei a respeito ou porque sua permanência não me mobiliza. Eu refaço meus “sins” todo o tempo. É a minha receita preferida, sem nem precisar desossar patos.



P.S.: Na sexta-feira, antes de pegar-ver o filme, o porteiro me avisou de uma "encomenda". Já era noite e estranhei chegar algo àquela hora. Era um presente do casal Robertinha e Peu. Um livro de receitas. Receitas rápidas, fáceis, porém caprichadas, cheias de charme. Ela disse, no bilhetinho, que era para deixar a casa ainda mais gostosa. No dia seguinte, fiz o primeiro teste: uma vitaminha de banana deli-deli-de-mamãe**. Foi a primeira vez na vida que fiz isso, de pegar uma lista de ingredientes e fazer algo de comer conforme alguém ensinou. Estou curtindo horrores brincar de casinha e revirar este livro pra lá e pra cá. Quando vi que o filme era sobre o assunto, me pareceu complô!


* Título inspirado em conversa com Catarina, outra taurina que não sabe viver mais ou menos.

** Façam aí, que vale a pena:
Vitamina de banana
- 1 banana descascada, cortada em 4 (a sugestão é manter a banana madura, já cortada, em um saquinho no congelador, e tirar direto pro liquidificador, para a vitamina ficar mais cremosa e gelada)
- 150 ml de leite
- 1 colher de sopa de mel
- 4 colheres de chá de Ovomaltine
- Meia colher de chá de pó para café instantâneo
Pronto. Bate e bebe.


29 de dezembro de 2008

No ano que vai nascer

Fim de ano me deixa com uma sensação de suspensão. É engraçado. Eu vejo mesmo tudo um pouquinho diferente - e é também por isso que, na verdade, por mais que eu disfarce, sou tão clichê que parece forçado.

Estou ocupada com trabalho, com investimentos, com vida e amor. Amor pra caralho, estou vivendo o sentimento sem parar, sem deixar escapar nada, eu fico amando o meu amor o tempo todo. Escrever, assim, não tem como ser uma prioridade. É isso. Acho que este blog acabará falecendo no ano novo...

E que faleçam as coisas falíveis e que se concretize e permaneça o que merece ficar.
Feliz 2009, meu povo.
(Já começou minha hora de chorar.)

24 de junho de 2008

Half a Person

Ou Back To The Old House
Ou Girl Afraid
Ou Heaven Knows I'm Miserable Now
Ou I Keep Mine Hidden
Ou These Things Take Time
Ou I Know It's Over
Ou Is It Really So Strange
Ou I Started Something I Couldn't Finish
Ou I Want The One I Can't Have
Ou Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me
Ou What Difference Does It Make?
Ou Please, Please, Please, Let Me Get What I Want
Ou You Just Haven't Earned It Yet, Baby

(Qualquer título deles parece caber agora.)

Os Smiths, a voz de Morrissey e a batidinha rítmica típica das músicas deles me lembram um tempo bom. Um tempo em que eu sorria sem tentar traduzir o que sentia. Eu simplesmente vivia e era feliz. Era livre, desprendida e leve. Tinha o mundo inteiro para experimentar, acreditava que as coisas existiam todas para mim, à minha disposição. Eu me jogava, mergulhava e tudo parecia dar certo. Eu tinha um prazer enorme em passar por cada segundo, em descobrir, em investir. Eu me lembro de muitos sorrisos, de uma satisfação íntima infantil. Eu gostava até de sofrer, porque me sentia mais forte quando passava. Eu era assim cheia de esperanças, não me escondia atrás de convicções e consciências castradoras. Meus medos eram mais motivadores do que concretos e alertas. Eu encarava as coisas com a firmeza de quem ama mais do que pensa. Eu amava mais e pensava menos.

Os Smiths ontem me esfregaram na cara as minhas incompetências. E doeu ouvir a trilha sonora do passado ser tocada numa situação tão drasticamente oposta às minhas memórias.



Tudo isto me lembrou este texto de Alex: Fantasmas de Felicidades Passadas. Recomendo!

9 de junho de 2008

Eu sou ego

Tenho uma bolsa Diesel, comprada na 25 de Março. Nunca sei ao certo se estas coisas vendidas em São Paulo a preço de banana são falsificadas ou contrabandeadas – mas, sem dúvida, estou carregando produto de algum comércio, digamos, impróprio. A bolsa é bonita e utilitária, e me foi dada por Cecília, quando ela me viu carregar por aí, de modo inadequado, o laptop em que agora escrevo este texto. “Tenho solução para você, uma bolsa legal que comprei em Sampa, vai servir direitinho” – e me repassou o que era dela. Cecília tem dessas, Cecília é assim: disponível, desprendida.

Em nossa mais recente viagem em família, mais uma cena de café da manhã em que eu me juntava aos retardatários, ela questionava: “quer um suco?, quer que eu frite um ovo?”. Alguém comentou: “Cecília é tão cuidadosa, é tão bonito isso”. Ela sorriu, eu sorri, nada mais se falou. Creio que, para ela, isto é tão natural que talvez nem merecesse elogio, então só sorriu. Para mim, esta sua atitude é um mérito que nem sei nomear, então só sorri. Eu tendo ao individual, ao independente, ao cada um se vira no seu canto. Não sou boa integrante de grupos. Do lado de Cecília, a minha consciência sobre a minha inabilidade com o que é coletivo, atencioso, cuidadoso e amparado se evidencia.

Uma vez, numa conversa entre nós duas, Cecília questionou a razão de eu afirmar que era incapaz de me ver mãe. Eu já tinha antes, em outras muitas oportunidades, falado de minha opção de não ter filhos – opção que não é de sempre, que se confirmou em mim não tem muito tempo, mas que também não me atrevo a colocar como definitiva, porque conheço a inconstância de minhas vontades –, e isto nunca lhe foi surpreendente. Ouvir que eu me sentia incapaz, no entanto, lhe causou curiosidade: por quê? “Porque, Cecília, eu não sou solidária o suficiente”. Não me vejo abrindo mão de meus segundos, desejos, liberdade e noites bem dormidas para ser uma boa mãe como ela é. Eu saberia ter sempre de pensar numa segunda pessoa? Não consigo conceber dividir o foco de minha vida entre meu umbigo e outro ser dependente de mim. Sim, eu sou egoísta, sedenta, não sei não me ter como centro do que escolho, faço, tenho como válido, importante, ético. Será que me passaria pela cabeça oferecer uma bolsa minha, de que gosto, assim? – tome, leve, é sua!

Outro dia, Renata veio se arrumar em minha casa. Deixei o armário aberto para que ela escolhesse o que quisesse. Qualquer coisa. Cecília já fez isso comigo inúmeras vezes. Eu nunca tinha feito com ninguém. Não foi um esforço, não foi pensado: eu simplesmente me vi disponibilizar para Renata tudo que tenho. Ela escolheu um vestido, um colar e a bolsa da Diesel (que eu nunca usei para nada senão para carregar o laptop, a gente às vezes rotula as coisas sem nem pensar). Ficou linda e eu fiquei feliz de ela ter ficado linda. No meio da noite, eu tomei uma decisão motivada por algum comentário que ela fez sobre o colar:
- Fique com ele pra você, Marida.
- Sério? Você não usa? Não gosta dele?
- Uso e gosto, mas você também está usando e gostando, fique pra você.

Ver Renata satisfeita com o presente me fez bem.
Sou mesmo egoísta ao extremo.



Texto escrito na madrugada de ontem para hoje, durante um dos meus momentos auto-analistas. Não revisei, não ajustei, nem incluí o final que eu pretendia fazer depois. Só adiciono, agora, a afirmação de que se eu já te dei algo que era meu, se você já me fez parecer não ser egoísta, é porque te amo muito, mais do que está sob meu controle.

4 de maio de 2008

Do teu quarto, da cozinha, da sala de estar

Estou deitada na rede. Aqui, tranqüila, sem tempo, nem companhia, sem nem razão, eu, a rede naquele mexido suave (porque ela nunca fica totalmente parada), a varanda, as pessoas nos apartamentos vizinhos, o céu com nuvens grandes. Há muito tempo não fazia isso.

O laptop está no meu colo, sobre um travesseiro, para evitar que eu sinta tanto o calor que ele provoca. Estou zanzando pela vida, escrevendo e lendo, conversando e ouvindo música - além do som da rua, que me é meio estranho, esta coisa de passar carro em velocidade um atrás do outro, este barulho que, do meu quarto, eu não ouço nem de longe. Isto eu nunca havia feito: isto de deitar na rede com um computador. E isto de eu me dar conta de que os ruídos da madrugada da casa de meu pai são muito diferentes daqueles que meus ouvidos nem me avisam mais quando escutam.

Está ventando. Esta frase eu não dizia há meses. E a última vez que disse não foi em Salvador. Ainda tusso. Às vezes começo a me zangar com a tosse e me lembro da quinta-feira.

[Como a quinta chegou: de repente, foi despertada no fim de semana de excessos e de faltas. Segunda foi um dia pesado. Terça foi um dia corrido; à noite, em pouquíssimos minutos, "Baby, me leva pra casa, me bateu um cansaço repentino, e absurdo", dormi antes da meia-noite. Acordei, quarta, baqueada, fingi que não, trabalho e, ah, deixa só cá ver: 38,8º - durmo, morta, só acordo para dormir de novo.]

Quinta-feira:
- Topa almoçar com a gente?
- Talvez...
- Já está acordada??
- Não sei...
- Paula, está tudo bem com você?
- Não.
- Que foi?
- Minha garganta. Crise igual àquelas que eu tinha quando criança. Fechou.
- Se arrume, vamos chegar em vinte minutos.

Não me lembrava do quanto doía. Do quanto derruba, cansa, agonia. Uma irritação louca me transforma num misto de mau-humor e dengo, choro e reclamação. E me encolho triste, com frio e calor, com muito frio e com muito calor, arrepiada e suada. Inquieta. Sem voz, a boca que mal abre, comida que não desce, não atendo ninguém, não quero ver ninguém, não falem comigo não.

Há muito tempo eu não via a cara de pena do médico da família - acho lindo termos "o médico da família", somos a única família que conheço que tem "o médico da família": xiiiiiiii!

Doze horas seguindo as orientações de São Jorge Sá, estava eu fazendo piada e comendo pão. A vida pós-cura é de uma felicidade atentatória.


Isto era para continuar, mas desisto. Adio, pelo menos. Primeiro porque fiquei com preguiça. Segundo porque estava ficando um saco.

UPDATE (na madruga de 5 de maio, já em casa):
Desisti mesmo. Mas o que eu ia dizer, no fim das contas, posso resumir - o feriadão foi ótimo, lindo, e, ao contrário do que se costuma dizer, as boas memórias podem sim ser mais fortes que as ruins. Teve dor, foi? Nem lembro direito.

22 de abril de 2008

Vamos ao teatro?

Vamos.
Temi quando o flyer me avisou que eu iria chorar. Não estou boa para isso, não. Fiquei tensa.
Só que eu não chorei, nem gostei muito.

Ao final, recebemos mais um panfletinho, que guardei nem sei porquê.
Vinte e quatro horas depois, resolvo ler. Me deparo com um texto que eu estava há dias tentando construir na minha mente. Seria um plágio feito através de leitura de pensamento caso não tivesse sido escrito em 1974.

Compartilho.

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Movimento dezesseis. Eu sei que fui tão fraca quanto um diálogo de bêbados, tão torpe quanto uma reticências, tão vil quanto um copo mal tomado.

Dói-me a palavra superar que falaste em meu nome. Dói-me o beijo negado. Dói-me o termo acontecido. Dói-me essa coisa que é a tua verdade e jamais será a minha. Digo-te compreensiva: compreendo. E compreensiva sofro as tuas decisões. Quantas noites me serão entregues para que eu as regue com esse furor existencial e louco? De quem falarás em meu nome para confortar a tua angústia? Não vês que sou um ser humano que expele flores e fugas com a mesma intensidade? Tudo tem sido igual desde o princípio. Nada tem mudado para este pobre cérebro privilegiado. Para esta triste cabeça maravilhosa. E eu estou farta de sonhar tudo aquilo que não deverá acontecer. O apolíneo da vida tem me eriçado os cabelos. Tem me atormentado e enlouquecido. Tem.

Mas não te culpes. Quando te escolhi não te deixei o encargo de me fazeres feliz. Seria complicado. Eu esperava apenas sensações puríssimas e isto se deu. Portanto faze-me sofrer se queres. Posso suportar o sofrimento com um estoicismo digno dos profetas. Faze-me repetir que amo oitocentos milhões de vezes usando para cada uma delas as vozes esdrúxulas de um velho barqueiro do Pireu ou de uma esganiçada garota propaganda. Faze-me ajoelhar sobre este joelho quase mecânico que sobrou do último acidente e dizer-te mais uma vez que deus é o fruto de minhas angústias diárias. Que existes tu. Que tu és a luz e a verdade. Essa verdade que temo encontrar mas que procuro como se a identidade.

Faze-me feliz se queres. Se não queres faze-me infeliz. Se nada queres vai para que eu sofra como tenho sofrido cada abandono. Nada direi do teu abandono que forjei. Não te acusarei como tenho acusado minhas mais torpes realizações. Para mim foste o princípio de uma pureza que eu jamais chegarei a acreditar que exista. Para mim foste a cor e todos os cinemas e casacos do mundo e o amarelo das cervejas e o vermelho do vinho e o arco-íris da felicidade. Para mim foste a cor como se antes eu não possuísse retina.

Mas não racionalize esta ida que te é difícil também. O amor existe ou não existe. Só é parcial a vontade de quem ama parcialmente.

Não nos outorguemos o direito de recriar a liberdade. Ela já é tão difícil falada nas prisões nos hospitais nas salas de estar. De star. Não vamos atormentá-la sob esse ar poluído que chamam de livre ou sobre os jardins públicos da cidade que pertencem a todos mas que a ninguém é dado caminhar sobre a grama. Vamos deixar a liberdade em paz e sentir e dizer apenas aquilo que está agora dentro de nossos sentidos. Se queres beijar bater acariciar morder cuspir que queiras o que queres. A recusa racional é um ato sórdido. Diga não quando teu corpo for um calafrio de repúdio e não puderes beijar a boca que te beija. Não racionalize os atos do amor. Eu ainda não aconteci em teus sentidos. Ainda sou aquela que atrai teu corpo para perto dos sofás dos carros blindados das mesas de bar. Com que direito analisas um ato que não entendes? Que não entendo?

Pretendo ser simples. Quero ser simples. Tenho dito da minha simplicidade com uma pureza insofismável. Tenho dito com essa pureza tudo aquilo que aprendi com a tua cor. Meu fardo é grande. E repito. Se queres faze-me sofrer. Dize-me: vai e eu irei sem palavras. Te beijarei a boca se quiseres. Farei amor contigo ou te mandarei a minha cabeça ensangüentada envolta em papel de seda para o teu álbum de artistas anônimos. Mas não racionalizes essa coisa pela qual cortarei a cabeça. Pela qual me arrebento agora. Pela qual me arremessarei ao fogo como Joana. Pela qual morderei as estátuas de ferro da praça da república. Pela qual morrerei. Não me espere superar uma crise que já teve o nome de amor. Não me proponhas a mediocridade ainda uma vez porque de ti veio a cor. Porque és a cor e da tua cor foi feito o meu princípio que outrora era o verbo. E hoje é uma infindável catarata de gestos ternos.

[Aninha Franco]

10 de março de 2008

I just don't know what to do with myself

Aí eu questiono o tamanho da minha frieza, dos meus cálculos. Do meu modo contraditório – e tonto, que me deixa com aquele ardido esquisito na cabeça que só muitas voltas em torno de si mesmo, ou muitas dúvidas, causam – de saborear sabores, cheirar cheiros, tocar toques. Porque sou inconseqüentemente intensa na mesma medida em que sou terrivelmente controlada (e me entrego tanto quanto teorizo, e sou fútil tanto quanto sou densa). Eu nunca me entendo, mesmo sabendo com autoridade as coisas de mim. Eu não entendo como posso não levar as coisas a sério, já que sou assim engajada com tudo. Enquanto analiso a lógica de cada movimento, e compreendo a razão de ser do que é, eu vejo bem claramente que nada tem sentido, mesmo que tenha. Eu digo sim e não para todas as perguntas o tempo todo.

7 de março de 2008

Óbvio

Tomei coragem e escrevi de ponta a ponta o nome inteiro, desenhando cada letra com bravura, ciente do resultado que viria e da palavra que se formaria. Foi uma decisão consciente empunhar a caneta e fazer com força as linhas que tornariam tudo sólido, visível, compreensível. Legível. Fiquei assistindo minha mão espalhar a tinta, formando aquilo diante de meus olhos. Escrevi. Com cuidado e capricho. Demorei mais na primeira consoante, com certo medo de seguir em frente, assustada com o que me impulsionava a superar o que nego: assunção. Vai lá, pega e escreve, não é o que tem vontade de pintar pelo seu caderno? Então respirei, abri a página, abri e olhei o papel em branco: vai. Comecei reticente, cuspindo com os dedos. Trêmula, viciada, meio infantil. Linha, letra, risco, pronto. Não sei quanto tempo durou. Passou rápido e lento, talvez congelado, talvez sem mim, certamente distante dos que pudessem estar vendo, também surdo para quem estava falando. Depois de completo, acho que sorri por um instante e fechei o caderno. Acho que parei por meio segundo e li inteiro. Acho que foi forte demais. Revejo na mente, não sei quando terei novo ímpeto para buscar a página usada neste bloco de tantas folhas.

26 de fevereiro de 2008

De como as lágrimas secaram

Eu estava apaixonada. Bobamente e deliciosamente apaixonada. Com gosto de vida acontecendo, de vontade indisfarçável, de que tudo é sim, de que o coração acelerado impulsiona sem medida, em que não há tempo, não há dificuldade. Com aquela felicidade que, de tão boba, é sem letra. Com aquela cara besta reconhecível de longe, e as mãos seguram o queixo para dar suporte às viagens da mente, aos olhos perdidos e ao riso incontido. Aquela paixão nova que te transporta para filmes, com trilha sonora escolhida, com dança pelas ruas, com gosto do beijo e sensações vividas pulando na memória a todo tempo, fervendo mais a euforia, até transbordar.

Eu estava bem pelo que estava sentindo. Ele, não. Mas eu não sabia. Não claramente.

Saímos, como em qualquer outro dia. Desta vez, porém, rodamos a cidade inteira discutindo o que pensávamos e como víamos aquilo tudo. Foram horas. Horas de uma conversa muito difícil, muito honesta. Muito dolorosa.

Paramos num posto de gasolina. Vou pegar uma cerveja. Ele fica no carro. Minha amiga me liga.

- Tudo bem?
- Não, não está. Mas não me pergunte a razão. Se eu falar, vou chorar, e o choro está aqui na ponta do olho, e eu não quero virar uma poça de lágrimas neste momento.
- Chora, não é melhor?
- É. Mas não agora, não aqui. Não vou falar mais. A lágrima está quase se formando, está quase pingando. Vou secá-las à força. Mas não demoro de chegar em casa. Aí te ligo e conto e choro tudo.

Olhei para o alto, esperei o olho molhado ficar seco. Voltei para o carro. Voltei para casa. E não chorei mais. Não saiu. Nunca mais. Nunca mais chorei por ninguém.

25 de fevereiro de 2008

Fried Green Tomatoes

It's all right, honey.
Let her go.
Let her go.
You know Miss Ruth was a lady.
And a lady always knows when to leave.