Há um tempo, já alguns meses, meu amigo João Carlos Sampaio postou em seu perfil no Facebook uma foto dele criança, num jardim caseiro, em que, ao fundo, vê-se uma senhora catando flores.
Na legenda, o seguinte texto:
“Sempre que olho essa foto (minha amada vó ao fundo) fico pensando se eu consegui ser justo com este menino, o que fiz dele... o que faço dele todos os dias... esse garoto, com um olhar tão intenso, me cobra muito... não sei se o decepcionei, se o decepciono... é tão difícil!”
Olhar minha vida sob esta perspectiva passou a ser um impulso frequente: será, Paula Berbert, que você está honrando o sorriso puro e cheio de esperança da criança que você foi? Será este o futuro que aquela menina merece?
Quando vejo minhas fotos de infância, sorrio para meus próprios olhos tão brilhantes e puros, reflexo de uma felicidade ingênua que existia apenas ali, em cada instante registrado de um tempo em que a vida se justifica em cada lúdico segundo de liberdade plena. Então eu penso: todas as crianças deveriam mesmo poder ser livres. E me entristeço por aquelas que não são.
A criança que eu fui não foi personagem dos melhores contos de fada. De forma alguma. E falar disso me faz lembrar de quando minha então recém-nascida irmã foi fazer o teste do pezinho e abriu um berreiro apavorado, soluçado. No mesmo instante, uma neném ao lado, ao ter o calcanhar furado, permaneceu imóvel e calada. A mãe justificou: ela nasceu pré-matura, acabara de sair de longo período no hospital, passou todos os dias desde o nascimento tomando injeções. Devia estar achando que viver era sinônimo de levar agulhadas. As crianças se adaptam com a facilidade de quem ainda não foi enrijecido pela dor. E me entristeço por aquelas que têm de conviver cotidianamente com o sofrimento.
Felizmente, as lágrimas de minha infância não foram ignoradas e meu pai, na infinita sabedoria de seus 20 e poucos anos, não me deixou acostumar com as severidades das circunstâncias. Com carinho e paciência, ele me ensinou que a verdade dissolve qualquer medo. E que minha felicidade é digna de muito respeito.
Hoje, dia em que tive a melhor sessão de terapia de todos os tempos, fui mais uma vez remetida à criança que eu fui. Porque eu faço muita questão de manter as coisas dela em mim. Porque eu sou essencialmente leve e desengessada, apesar de qualquer coisa. E é assim que preciso viver: com o coração tranquilo e com a vontade ingênua de encontrar alegria em tudo, até mesmo nas reconstrutoras tristezas. Foi deste modo que me tornei gente. É esta mulher que minha criança aplaude contente em meus sonhos.
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26 de julho de 2011
15 de novembro de 2010
Coisas boas acontecem o tempo todo!
Nos últimos dez dias, eu voltei a escrever, repensei posturas, pude oferecer meus ouvidos a Dany, finalizei com sucesso um freela que estava me consumindo, vi um show de Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta, encontrei Nana depois de um tempão (e ela me deu carona pela primeira vez), fui citada de forma emocionante num depoimento público de minha chefe, tive uma conversa de mulher para mulher com minha irmã, tirei folgas a que tinha direito, dancei, revi Rafaela Manzo depois de muitos anos (e botamos o papo em dia), vi minha família inaugurar um novo projeto, cortei o cabelo, depois fiquei loira (pela metade, mas fiquei), comprei roupa nova, fofoquei horrores com Catarina, fui à Praia do Forte, expus minhas pernas ao sol depois de seis meses escondendo-as sob calças e meias-calças por conta das marcas do acidente, tomei banho de mar (e de piscina), fui indicada a um prêmio de reconhecimento ao meu trabalho, fiquei com um carro à minha disposição, comprei as passagens da minha viagem para ver o show de Paul, revisitei memórias e resgatei muitas alegrias.
Sim, elas acontecem o tempo todo!
Sim, elas acontecem o tempo todo!
22 de setembro de 2008
Dois meses sem vovô
Eu não conto de propósito.
Juro.
Eu não fico me martelando, escrava de registros e datas e recordes e médias e cálculos, para que os números me saltem à mente.
Eles simplesmente vêm.
Eu simplesmente sei que dia é hoje, quanto tempo se passou...
Eu associo memórias logicamente, mesmo que eu não queira. Meu esforço, às vezes, é para deixar de lembrar sempre, deixar de saber que dia é aquele.
E hoje faz dois meses que meu avô morreu.
Juro.
Eu não fico me martelando, escrava de registros e datas e recordes e médias e cálculos, para que os números me saltem à mente.
Eles simplesmente vêm.
Eu simplesmente sei que dia é hoje, quanto tempo se passou...
Eu associo memórias logicamente, mesmo que eu não queira. Meu esforço, às vezes, é para deixar de lembrar sempre, deixar de saber que dia é aquele.
E hoje faz dois meses que meu avô morreu.
10 de setembro de 2008
Acolhimento
Quando eu era pequena, dormir na casa de meu pai sempre era o ato final de um dia gostoso. Como a gente não se via muito, como não havia convívio diário, os encontros com ele eram preparados para ser especiais: dias cheios, idas e vindas, passeios, sol, risadas, almoços e jantares, tudo cheio de alegria. Minhas memórias sobre isso são deliciosas, as sensações que me vêm são de muita satisfação e felicidade.
Depois que as horas passavam e as atividades se esgotavam, chegávamos em casa exaustos, eu e Pedro, meu irmão mais velho, mas nunca livres da árdua tarefa de encarar banho e escovação de dentes. Era difícil manter olhos abertos àquela altura...
Enquanto, então, nos vestíamos e preparávamos as coisas para o dia seguinte, meu pai ia cumprir também o seu ritual. Prontos, eu e Pedro deitávamos e esperávamos ele voltar. Aí meu pai, sereno, entrava no quarto, desdobrava os cobertores já colocados nos pés das camas, sacudia para deixá-los bem soltos e, num movimento embalado umas duas ou três vezes antes do levantamento final, ele cobria cada filho. Um beijo no rosto, um "boa noite" suave no ouvido e o apagar da luz embalavam o sono de modo incomparável.
A soma daquilo tudo – cansaço feliz, banho tomado, lençol limpinho e cheiroso, o ventinho que ainda hoje consigo sentir, o toque do cobertor sobre o corpo e a presença intensa do meu pai – faz esta cena ser a minha maior referência de carinho.
Para mim, não há gesto mais carinhoso do que cobrir alguém.
Depois que as horas passavam e as atividades se esgotavam, chegávamos em casa exaustos, eu e Pedro, meu irmão mais velho, mas nunca livres da árdua tarefa de encarar banho e escovação de dentes. Era difícil manter olhos abertos àquela altura...
Enquanto, então, nos vestíamos e preparávamos as coisas para o dia seguinte, meu pai ia cumprir também o seu ritual. Prontos, eu e Pedro deitávamos e esperávamos ele voltar. Aí meu pai, sereno, entrava no quarto, desdobrava os cobertores já colocados nos pés das camas, sacudia para deixá-los bem soltos e, num movimento embalado umas duas ou três vezes antes do levantamento final, ele cobria cada filho. Um beijo no rosto, um "boa noite" suave no ouvido e o apagar da luz embalavam o sono de modo incomparável.
A soma daquilo tudo – cansaço feliz, banho tomado, lençol limpinho e cheiroso, o ventinho que ainda hoje consigo sentir, o toque do cobertor sobre o corpo e a presença intensa do meu pai – faz esta cena ser a minha maior referência de carinho.
Para mim, não há gesto mais carinhoso do que cobrir alguém.

12 de agosto de 2008
O tempo do meu avô - e eu
A morte nunca me pegou de surpresa. Nunca me deu uma rasteira. A morte, pelo menos ainda, não me é um problema.
Meu avô não achava o mesmo. Ele falava sobre a dor que considerava ser a pior coisa do envelhecer: assistir a novas partidas com freqüência, ver as pessoas que fizeram parte da sua história, que foram seus irmãos, amigos, parceiros, irem embora, um por um, numa contagem duramente regressiva. E ficar esperando a sua vez.
Os últimos anos de vida de meu avô foram marcados pelo desconforto que a saúde frágil lhe trazia. Faltava fôlego para a mente absolutamente sã. Ele chorava de dor e quando o ar lhe sumia. Se espremia enquanto a lágrima caía e dizia que era insuportável a idéia de se separar de todos nós, prevendo uma saudade que a descrença na vida eterna não o impedia de temer.
A morte lhe foi natural, na hora em que tudo já foi feito. Assim, dói menos. Oitenta e dois anos de casos a contar – e que a sua memória impressionante resgatava em detalhes. Era bonito quando ele, logo após alguma reclamação chorosa sobre alguma dor sentida, se refazia de supetão e declamava um poema, ou cantava uma das canções do repertório que creio ter sido só dele, batendo palmas, sorrindo satisfeito, como que pensando o quanto aquilo era prazeroso e que sempre haveria algo feliz para compensar. Ele nunca falava ou cantava uma vez só. Repetia as palavras, depois, pausadamente, querendo que os que estivessem ao seu lado enxergassem o que via: “Você ouviu isso? Isso é lindo!”.
Meu avô era médico mas nem dava opção para a minha mãe pedir, nas muitas vezes em que precisei tomar alguma injeção, que ele cumprisse a tarefa. Ele o fez uma vez só e depois cortou a possibilidade: “Não consigo encarar assim a dor de minha neta”. O seu modo de amar era enorme, exagerado, muito próprio, dentro de suas convicções. É, meu avô era uma pessoa cheia de certezas, ele tinha muita consciência das coisas que pensava... Mas, acima de tudo, era um ser de paixões, de encantamento, de olhinhos brilhando diante de um bom filme, uma boa dança, uma boa música, uma boa comida, um bom encontro.
Pude contar com a presença intensa de meu avô durante todos meus 27 anos. Não julgo se foi pouco ou muito, porque o que me fica é, por fim, suficiente. Vê-lo partir com dignidade, deixando tantas marcas, tendo feito tantas coisas, assinando um nome respeitado, me faz enxergar a sua morte com serenidade. Sim, é difícil lembrar do nosso último encontro, quando o levamos para o hospital, porque ali tudo já estava anunciado, a energia já estava escapando... Mas, não existindo definhamento, excessos, surpresas, indignação, não há o que questionar da vida que cumpre justamente seu papel.
Fica a saudade e, com ela, sigo em frente.
Foi massa o nosso tempo juntos.
22 de maio de 1996
Minha querida neta Paulinha,
Me lembrei de um conhecido poema chamado Escalada, do poeta Judas Isgorogota. Vale a pena repetir:
A sua escalada, minha neta, será bem diferente. Não será dramática como a do poeta. É uma escalada para atingir um ponto mais alto no seu desenvolvimento. Isso é muito bom e fico muito alegre. Você é uma menina, talvez fosse melhor eu ter dito uma jovem, de muitas qualidades, apenas um pouco calada demais. Porém é de sua natureza e temos de aceitá-la assim. Você é boa, estudiosa, inteligente, sincera e bonita. Na sua escalada, atingirá alturas celestiais e fico muito orgulhoso com isso. Espero que não esqueça seu avô que lhe adora desde o momento em que lhe viu pela primeira vez, com poucos minutos de nascida. Quando chegar lá em cima, na sua escalada, lembre-se de mim e de sua avó, que estamos cá embaixo. E que a escalada de agora seja a primeira que você fará em sua vida, outras virão, mais importantes, porém a primeira é sempre a fundamental.
Beijos do seu avô
José Augusto.
Postado aqui, sobre ele, em novembro passado: Grandpa.
E cá, no Youtube, ele cantando uma de suas musiquinhas.
Meu avô não achava o mesmo. Ele falava sobre a dor que considerava ser a pior coisa do envelhecer: assistir a novas partidas com freqüência, ver as pessoas que fizeram parte da sua história, que foram seus irmãos, amigos, parceiros, irem embora, um por um, numa contagem duramente regressiva. E ficar esperando a sua vez.
Os últimos anos de vida de meu avô foram marcados pelo desconforto que a saúde frágil lhe trazia. Faltava fôlego para a mente absolutamente sã. Ele chorava de dor e quando o ar lhe sumia. Se espremia enquanto a lágrima caía e dizia que era insuportável a idéia de se separar de todos nós, prevendo uma saudade que a descrença na vida eterna não o impedia de temer.
A morte lhe foi natural, na hora em que tudo já foi feito. Assim, dói menos. Oitenta e dois anos de casos a contar – e que a sua memória impressionante resgatava em detalhes. Era bonito quando ele, logo após alguma reclamação chorosa sobre alguma dor sentida, se refazia de supetão e declamava um poema, ou cantava uma das canções do repertório que creio ter sido só dele, batendo palmas, sorrindo satisfeito, como que pensando o quanto aquilo era prazeroso e que sempre haveria algo feliz para compensar. Ele nunca falava ou cantava uma vez só. Repetia as palavras, depois, pausadamente, querendo que os que estivessem ao seu lado enxergassem o que via: “Você ouviu isso? Isso é lindo!”.
Meu avô era médico mas nem dava opção para a minha mãe pedir, nas muitas vezes em que precisei tomar alguma injeção, que ele cumprisse a tarefa. Ele o fez uma vez só e depois cortou a possibilidade: “Não consigo encarar assim a dor de minha neta”. O seu modo de amar era enorme, exagerado, muito próprio, dentro de suas convicções. É, meu avô era uma pessoa cheia de certezas, ele tinha muita consciência das coisas que pensava... Mas, acima de tudo, era um ser de paixões, de encantamento, de olhinhos brilhando diante de um bom filme, uma boa dança, uma boa música, uma boa comida, um bom encontro.
Pude contar com a presença intensa de meu avô durante todos meus 27 anos. Não julgo se foi pouco ou muito, porque o que me fica é, por fim, suficiente. Vê-lo partir com dignidade, deixando tantas marcas, tendo feito tantas coisas, assinando um nome respeitado, me faz enxergar a sua morte com serenidade. Sim, é difícil lembrar do nosso último encontro, quando o levamos para o hospital, porque ali tudo já estava anunciado, a energia já estava escapando... Mas, não existindo definhamento, excessos, surpresas, indignação, não há o que questionar da vida que cumpre justamente seu papel.
Fica a saudade e, com ela, sigo em frente.
Foi massa o nosso tempo juntos.
22 de maio de 1996
Minha querida neta Paulinha,
Me lembrei de um conhecido poema chamado Escalada, do poeta Judas Isgorogota. Vale a pena repetir:
Escalada
Tentaremos nós dois esta escalada.
Toda escalada deve ser assim:
Rude, feroz, hostil, acidentada.
Quando cansares, firmarás em mim
A tua mão cansada e minha mão cansada
Contigo subirá até o fim.
- Mas se o destino que dirige os seres
Quiser que eu volte ao de onde eu vim?
Se eu descer amanhã? – Se tu desceres,
Contigo descerei até o fim.
Tentaremos nós dois esta escalada.
Toda escalada deve ser assim:
Rude, feroz, hostil, acidentada.
Quando cansares, firmarás em mim
A tua mão cansada e minha mão cansada
Contigo subirá até o fim.
- Mas se o destino que dirige os seres
Quiser que eu volte ao de onde eu vim?
Se eu descer amanhã? – Se tu desceres,
Contigo descerei até o fim.
A sua escalada, minha neta, será bem diferente. Não será dramática como a do poeta. É uma escalada para atingir um ponto mais alto no seu desenvolvimento. Isso é muito bom e fico muito alegre. Você é uma menina, talvez fosse melhor eu ter dito uma jovem, de muitas qualidades, apenas um pouco calada demais. Porém é de sua natureza e temos de aceitá-la assim. Você é boa, estudiosa, inteligente, sincera e bonita. Na sua escalada, atingirá alturas celestiais e fico muito orgulhoso com isso. Espero que não esqueça seu avô que lhe adora desde o momento em que lhe viu pela primeira vez, com poucos minutos de nascida. Quando chegar lá em cima, na sua escalada, lembre-se de mim e de sua avó, que estamos cá embaixo. E que a escalada de agora seja a primeira que você fará em sua vida, outras virão, mais importantes, porém a primeira é sempre a fundamental.
Beijos do seu avô
José Augusto.
Postado aqui, sobre ele, em novembro passado: Grandpa.
E cá, no Youtube, ele cantando uma de suas musiquinhas.
23 de julho de 2008
Ele me fazia rir

- Vô, chegou o presente de Natal que Naná mandou para você!

- Meu Deus, o que é isso? O que será que Naná aprontou desta vez?
- Naná, minha afilhada pervertida! Hahahahahahahaha! Adorei! Você só traz felicidade a seu lôro velho!

- Vou dormir ao lado dela todos os dias! Lícia vai ficar com ciúme!

- Mas deixa eu vestir minha nova companheira, porque ela é uma moça comportada.
Agora batizada de Gorete por minha linda amiga Viviane, a boneca foi o que exigi de minha parte na herança.
9 de junho de 2008
Eu sou ego
Tenho uma bolsa Diesel, comprada na 25 de Março. Nunca sei ao certo se estas coisas vendidas em São Paulo a preço de banana são falsificadas ou contrabandeadas – mas, sem dúvida, estou carregando produto de algum comércio, digamos, impróprio. A bolsa é bonita e utilitária, e me foi dada por Cecília, quando ela me viu carregar por aí, de modo inadequado, o laptop em que agora escrevo este texto. “Tenho solução para você, uma bolsa legal que comprei em Sampa, vai servir direitinho” – e me repassou o que era dela. Cecília tem dessas, Cecília é assim: disponível, desprendida.
Em nossa mais recente viagem em família, mais uma cena de café da manhã em que eu me juntava aos retardatários, ela questionava: “quer um suco?, quer que eu frite um ovo?”. Alguém comentou: “Cecília é tão cuidadosa, é tão bonito isso”. Ela sorriu, eu sorri, nada mais se falou. Creio que, para ela, isto é tão natural que talvez nem merecesse elogio, então só sorriu. Para mim, esta sua atitude é um mérito que nem sei nomear, então só sorri. Eu tendo ao individual, ao independente, ao cada um se vira no seu canto. Não sou boa integrante de grupos. Do lado de Cecília, a minha consciência sobre a minha inabilidade com o que é coletivo, atencioso, cuidadoso e amparado se evidencia.
Uma vez, numa conversa entre nós duas, Cecília questionou a razão de eu afirmar que era incapaz de me ver mãe. Eu já tinha antes, em outras muitas oportunidades, falado de minha opção de não ter filhos – opção que não é de sempre, que se confirmou em mim não tem muito tempo, mas que também não me atrevo a colocar como definitiva, porque conheço a inconstância de minhas vontades –, e isto nunca lhe foi surpreendente. Ouvir que eu me sentia incapaz, no entanto, lhe causou curiosidade: por quê? “Porque, Cecília, eu não sou solidária o suficiente”. Não me vejo abrindo mão de meus segundos, desejos, liberdade e noites bem dormidas para ser uma boa mãe como ela é. Eu saberia ter sempre de pensar numa segunda pessoa? Não consigo conceber dividir o foco de minha vida entre meu umbigo e outro ser dependente de mim. Sim, eu sou egoísta, sedenta, não sei não me ter como centro do que escolho, faço, tenho como válido, importante, ético. Será que me passaria pela cabeça oferecer uma bolsa minha, de que gosto, assim? – tome, leve, é sua!
Outro dia, Renata veio se arrumar em minha casa. Deixei o armário aberto para que ela escolhesse o que quisesse. Qualquer coisa. Cecília já fez isso comigo inúmeras vezes. Eu nunca tinha feito com ninguém. Não foi um esforço, não foi pensado: eu simplesmente me vi disponibilizar para Renata tudo que tenho. Ela escolheu um vestido, um colar e a bolsa da Diesel (que eu nunca usei para nada senão para carregar o laptop, a gente às vezes rotula as coisas sem nem pensar). Ficou linda e eu fiquei feliz de ela ter ficado linda. No meio da noite, eu tomei uma decisão motivada por algum comentário que ela fez sobre o colar:
- Fique com ele pra você, Marida.
- Sério? Você não usa? Não gosta dele?
- Uso e gosto, mas você também está usando e gostando, fique pra você.
Ver Renata satisfeita com o presente me fez bem.
Sou mesmo egoísta ao extremo.
Texto escrito na madrugada de ontem para hoje, durante um dos meus momentos auto-analistas. Não revisei, não ajustei, nem incluí o final que eu pretendia fazer depois. Só adiciono, agora, a afirmação de que se eu já te dei algo que era meu, se você já me fez parecer não ser egoísta, é porque te amo muito, mais do que está sob meu controle.
Em nossa mais recente viagem em família, mais uma cena de café da manhã em que eu me juntava aos retardatários, ela questionava: “quer um suco?, quer que eu frite um ovo?”. Alguém comentou: “Cecília é tão cuidadosa, é tão bonito isso”. Ela sorriu, eu sorri, nada mais se falou. Creio que, para ela, isto é tão natural que talvez nem merecesse elogio, então só sorriu. Para mim, esta sua atitude é um mérito que nem sei nomear, então só sorri. Eu tendo ao individual, ao independente, ao cada um se vira no seu canto. Não sou boa integrante de grupos. Do lado de Cecília, a minha consciência sobre a minha inabilidade com o que é coletivo, atencioso, cuidadoso e amparado se evidencia.
Uma vez, numa conversa entre nós duas, Cecília questionou a razão de eu afirmar que era incapaz de me ver mãe. Eu já tinha antes, em outras muitas oportunidades, falado de minha opção de não ter filhos – opção que não é de sempre, que se confirmou em mim não tem muito tempo, mas que também não me atrevo a colocar como definitiva, porque conheço a inconstância de minhas vontades –, e isto nunca lhe foi surpreendente. Ouvir que eu me sentia incapaz, no entanto, lhe causou curiosidade: por quê? “Porque, Cecília, eu não sou solidária o suficiente”. Não me vejo abrindo mão de meus segundos, desejos, liberdade e noites bem dormidas para ser uma boa mãe como ela é. Eu saberia ter sempre de pensar numa segunda pessoa? Não consigo conceber dividir o foco de minha vida entre meu umbigo e outro ser dependente de mim. Sim, eu sou egoísta, sedenta, não sei não me ter como centro do que escolho, faço, tenho como válido, importante, ético. Será que me passaria pela cabeça oferecer uma bolsa minha, de que gosto, assim? – tome, leve, é sua!
Outro dia, Renata veio se arrumar em minha casa. Deixei o armário aberto para que ela escolhesse o que quisesse. Qualquer coisa. Cecília já fez isso comigo inúmeras vezes. Eu nunca tinha feito com ninguém. Não foi um esforço, não foi pensado: eu simplesmente me vi disponibilizar para Renata tudo que tenho. Ela escolheu um vestido, um colar e a bolsa da Diesel (que eu nunca usei para nada senão para carregar o laptop, a gente às vezes rotula as coisas sem nem pensar). Ficou linda e eu fiquei feliz de ela ter ficado linda. No meio da noite, eu tomei uma decisão motivada por algum comentário que ela fez sobre o colar:
- Fique com ele pra você, Marida.
- Sério? Você não usa? Não gosta dele?
- Uso e gosto, mas você também está usando e gostando, fique pra você.
Ver Renata satisfeita com o presente me fez bem.
Sou mesmo egoísta ao extremo.
Texto escrito na madrugada de ontem para hoje, durante um dos meus momentos auto-analistas. Não revisei, não ajustei, nem incluí o final que eu pretendia fazer depois. Só adiciono, agora, a afirmação de que se eu já te dei algo que era meu, se você já me fez parecer não ser egoísta, é porque te amo muito, mais do que está sob meu controle.
4 de maio de 2008
Do teu quarto, da cozinha, da sala de estar
Estou deitada na rede. Aqui, tranqüila, sem tempo, nem companhia, sem nem razão, eu, a rede naquele mexido suave (porque ela nunca fica totalmente parada), a varanda, as pessoas nos apartamentos vizinhos, o céu com nuvens grandes. Há muito tempo não fazia isso.
O laptop está no meu colo, sobre um travesseiro, para evitar que eu sinta tanto o calor que ele provoca. Estou zanzando pela vida, escrevendo e lendo, conversando e ouvindo música - além do som da rua, que me é meio estranho, esta coisa de passar carro em velocidade um atrás do outro, este barulho que, do meu quarto, eu não ouço nem de longe. Isto eu nunca havia feito: isto de deitar na rede com um computador. E isto de eu me dar conta de que os ruídos da madrugada da casa de meu pai são muito diferentes daqueles que meus ouvidos nem me avisam mais quando escutam.
Está ventando. Esta frase eu não dizia há meses. E a última vez que disse não foi em Salvador. Ainda tusso. Às vezes começo a me zangar com a tosse e me lembro da quinta-feira.
[Como a quinta chegou: de repente, foi despertada no fim de semana de excessos e de faltas. Segunda foi um dia pesado. Terça foi um dia corrido; à noite, em pouquíssimos minutos, "Baby, me leva pra casa, me bateu um cansaço repentino, e absurdo", dormi antes da meia-noite. Acordei, quarta, baqueada, fingi que não, trabalho e, ah, deixa só cá ver: 38,8º - durmo, morta, só acordo para dormir de novo.]
Quinta-feira:
- Topa almoçar com a gente?
- Talvez...
- Já está acordada??
- Não sei...
- Paula, está tudo bem com você?
- Não.
- Que foi?
- Minha garganta. Crise igual àquelas que eu tinha quando criança. Fechou.
- Se arrume, vamos chegar em vinte minutos.
Não me lembrava do quanto doía. Do quanto derruba, cansa, agonia. Uma irritação louca me transforma num misto de mau-humor e dengo, choro e reclamação. E me encolho triste, com frio e calor, com muito frio e com muito calor, arrepiada e suada. Inquieta. Sem voz, a boca que mal abre, comida que não desce, não atendo ninguém, não quero ver ninguém, não falem comigo não.
Há muito tempo eu não via a cara de pena do médico da família - acho lindo termos "o médico da família", somos a única família que conheço que tem "o médico da família": xiiiiiiii!
Doze horas seguindo as orientações de São Jorge Sá, estava eu fazendo piada e comendo pão. A vida pós-cura é de uma felicidade atentatória.
Isto era para continuar, mas desisto. Adio, pelo menos. Primeiro porque fiquei com preguiça. Segundo porque estava ficando um saco.
UPDATE (na madruga de 5 de maio, já em casa):
Desisti mesmo. Mas o que eu ia dizer, no fim das contas, posso resumir - o feriadão foi ótimo, lindo, e, ao contrário do que se costuma dizer, as boas memórias podem sim ser mais fortes que as ruins. Teve dor, foi? Nem lembro direito.
O laptop está no meu colo, sobre um travesseiro, para evitar que eu sinta tanto o calor que ele provoca. Estou zanzando pela vida, escrevendo e lendo, conversando e ouvindo música - além do som da rua, que me é meio estranho, esta coisa de passar carro em velocidade um atrás do outro, este barulho que, do meu quarto, eu não ouço nem de longe. Isto eu nunca havia feito: isto de deitar na rede com um computador. E isto de eu me dar conta de que os ruídos da madrugada da casa de meu pai são muito diferentes daqueles que meus ouvidos nem me avisam mais quando escutam.
Está ventando. Esta frase eu não dizia há meses. E a última vez que disse não foi em Salvador. Ainda tusso. Às vezes começo a me zangar com a tosse e me lembro da quinta-feira.
[Como a quinta chegou: de repente, foi despertada no fim de semana de excessos e de faltas. Segunda foi um dia pesado. Terça foi um dia corrido; à noite, em pouquíssimos minutos, "Baby, me leva pra casa, me bateu um cansaço repentino, e absurdo", dormi antes da meia-noite. Acordei, quarta, baqueada, fingi que não, trabalho e, ah, deixa só cá ver: 38,8º - durmo, morta, só acordo para dormir de novo.]
Quinta-feira:
- Topa almoçar com a gente?
- Talvez...
- Já está acordada??
- Não sei...
- Paula, está tudo bem com você?
- Não.
- Que foi?
- Minha garganta. Crise igual àquelas que eu tinha quando criança. Fechou.
- Se arrume, vamos chegar em vinte minutos.
Não me lembrava do quanto doía. Do quanto derruba, cansa, agonia. Uma irritação louca me transforma num misto de mau-humor e dengo, choro e reclamação. E me encolho triste, com frio e calor, com muito frio e com muito calor, arrepiada e suada. Inquieta. Sem voz, a boca que mal abre, comida que não desce, não atendo ninguém, não quero ver ninguém, não falem comigo não.
Há muito tempo eu não via a cara de pena do médico da família - acho lindo termos "o médico da família", somos a única família que conheço que tem "o médico da família": xiiiiiiii!
Doze horas seguindo as orientações de São Jorge Sá, estava eu fazendo piada e comendo pão. A vida pós-cura é de uma felicidade atentatória.
Isto era para continuar, mas desisto. Adio, pelo menos. Primeiro porque fiquei com preguiça. Segundo porque estava ficando um saco.
UPDATE (na madruga de 5 de maio, já em casa):
Desisti mesmo. Mas o que eu ia dizer, no fim das contas, posso resumir - o feriadão foi ótimo, lindo, e, ao contrário do que se costuma dizer, as boas memórias podem sim ser mais fortes que as ruins. Teve dor, foi? Nem lembro direito.
27 de novembro de 2007
Grandpa
Meu avô me confunde.
E, sempre que tento falar de quem ele é, pareço estar me contradizendo todo o tempo.
É fácil fazer uma lista de adjetivos opostos para descrevê-lo.
Parece um daqueles ditados de antônimos de quando estamos na 1ª série:
"Alegre?" - "Triste!"
"Forte?" - "Fraco!"
"Gentil?" - "Rude!"
"Amável?" - "Áspero!"
"Repulsivo?" - "Simpático!"
"Mau?" - "Bom!"
Consigo visualizar com nitidez os dois homens que habitam dentro do meu avô. É assim, talvez, porque ele é uma pessoa de extremos. É 8 ou 80. Ama ou odeia. É amigo-irmão ou inimigo de morte. No entanto, espremendo tudo, tirando os excessos que disfarçam sua consciência, fica aqui para mim, transparente como água, uma verdade incontestável: meu avô tem o maior e mais mole coração do mundo. É um menino bobo, que choraminga à toa, que tem dificuldade em dizer "não", que faz qualquer coisa por aqueles que ama.
Também não é difícil fazer uma lista das coisas chatas que meu avô me fez viver e de certas teorias doidas que tentou me ensinar. Hoje, “do alto de minha adultez”, eu compreendo as razões de suas famosas imprudências: meu avô é um homem da década de 20, educado de maneira severa, instruído a manter uma tal honradez masculina, dos valores rígidos de moral e família, logicamente distante do universo feminino e, sobretudo, drasticamente oposta à liberdade sexual (de quem não é macho, presume-se). Já pedi desculpas pessoalmente a Luiz Mott, ex-presidente do Grupo Gay da Bahia, pela intolerância que meu avô um dia teve espaço para disseminar. Pedi desculpas em nome dele, em meu nome, em nome deste sobrenome marcante que carregamos. Acho que, se meu avô fosse um homem menos orgulhoso, faria o mesmo, hoje. Infelizmente, creio que vai partir deste mundo deixando a fama de ser o “homófobo mais raivoso do Brasil”, como o próprio Mott definiu.
Faço críticas a meu avô abertamente, inclusive diante daquelas pessoas que vêm me felicitar por ser neta dele, em especial quando as razões das congratulações se argumentam neste sentido: é claro que me dá agonia quando alguém se aproxima e sacode minha mão dizendo que “ainda bem que existem pessoas como Seu José, para defender a moral e os bons costumes deste país sem-vergonha”. Sem-vergonha este país é, quem sou eu para discordar, mas vergonhoso mesmo é achar que homem que beija na boca de homem pode causar algum problema para a sociedade em decorrência deste fato, pontual e simplesmente. Me poupem.
A despeito disso tudo, carrego muito orgulho por ser neta de José Augusto Berbert de Castro. Sim. Meu avô me ensinou a ter gosto por leitura, por filmes, por conhecimento. Meu avô me proporcionou muitas coisas, foi muito presente na minha infância, cuidou de mim, me deu carinho e amor daqueles que chegam a ser sufocantes! Meu avô é um homem cultíssimo, de memória impressionante. Um contador de histórias que adora divertir as pessoas e falar das emoções da vida. Meu avô conquistou espaço, respeito e reconhecimento através do seu trabalho, mesmo em meio a tantas polêmicas. E é um belo exemplo de lealdade, firmeza e honestidade.
Definir meu avô e contar o que ele representa em minha vida é tarefa que me custaria um livro, sem exagero. Um dia, quem sabe, faço isso. Talvez me cobrem. Espero mesmo que nunca esqueçam de quem sou neta.
Recentemente, o melhor amigo da juventude do meu avô faleceu. Aconteceu depois de eles terem passado anos - muitos anos - sem se falar. Brigaram e ficaram de mal até o fim. E ele chorou e sofreu como uma criança, escondido. Meu avô finge que é mau, finge que é rude, mas, creiam, quem mais carrega dor por isso é ele próprio.
Amo aquele velhinho frágil, amo muito.
E, hoje, desejo que o seu aniversário seja feliz, que sua saúde se fortaleça e que seus dias sejam mais tranqüilos.
Ele merece.
Parabéns, vovô.
E, sempre que tento falar de quem ele é, pareço estar me contradizendo todo o tempo.
É fácil fazer uma lista de adjetivos opostos para descrevê-lo.
Parece um daqueles ditados de antônimos de quando estamos na 1ª série:
"Alegre?" - "Triste!"
"Forte?" - "Fraco!"
"Gentil?" - "Rude!"
"Amável?" - "Áspero!"
"Repulsivo?" - "Simpático!"
"Mau?" - "Bom!"
Consigo visualizar com nitidez os dois homens que habitam dentro do meu avô. É assim, talvez, porque ele é uma pessoa de extremos. É 8 ou 80. Ama ou odeia. É amigo-irmão ou inimigo de morte. No entanto, espremendo tudo, tirando os excessos que disfarçam sua consciência, fica aqui para mim, transparente como água, uma verdade incontestável: meu avô tem o maior e mais mole coração do mundo. É um menino bobo, que choraminga à toa, que tem dificuldade em dizer "não", que faz qualquer coisa por aqueles que ama.
Também não é difícil fazer uma lista das coisas chatas que meu avô me fez viver e de certas teorias doidas que tentou me ensinar. Hoje, “do alto de minha adultez”, eu compreendo as razões de suas famosas imprudências: meu avô é um homem da década de 20, educado de maneira severa, instruído a manter uma tal honradez masculina, dos valores rígidos de moral e família, logicamente distante do universo feminino e, sobretudo, drasticamente oposta à liberdade sexual (de quem não é macho, presume-se). Já pedi desculpas pessoalmente a Luiz Mott, ex-presidente do Grupo Gay da Bahia, pela intolerância que meu avô um dia teve espaço para disseminar. Pedi desculpas em nome dele, em meu nome, em nome deste sobrenome marcante que carregamos. Acho que, se meu avô fosse um homem menos orgulhoso, faria o mesmo, hoje. Infelizmente, creio que vai partir deste mundo deixando a fama de ser o “homófobo mais raivoso do Brasil”, como o próprio Mott definiu.
Faço críticas a meu avô abertamente, inclusive diante daquelas pessoas que vêm me felicitar por ser neta dele, em especial quando as razões das congratulações se argumentam neste sentido: é claro que me dá agonia quando alguém se aproxima e sacode minha mão dizendo que “ainda bem que existem pessoas como Seu José, para defender a moral e os bons costumes deste país sem-vergonha”. Sem-vergonha este país é, quem sou eu para discordar, mas vergonhoso mesmo é achar que homem que beija na boca de homem pode causar algum problema para a sociedade em decorrência deste fato, pontual e simplesmente. Me poupem.
A despeito disso tudo, carrego muito orgulho por ser neta de José Augusto Berbert de Castro. Sim. Meu avô me ensinou a ter gosto por leitura, por filmes, por conhecimento. Meu avô me proporcionou muitas coisas, foi muito presente na minha infância, cuidou de mim, me deu carinho e amor daqueles que chegam a ser sufocantes! Meu avô é um homem cultíssimo, de memória impressionante. Um contador de histórias que adora divertir as pessoas e falar das emoções da vida. Meu avô conquistou espaço, respeito e reconhecimento através do seu trabalho, mesmo em meio a tantas polêmicas. E é um belo exemplo de lealdade, firmeza e honestidade.
Definir meu avô e contar o que ele representa em minha vida é tarefa que me custaria um livro, sem exagero. Um dia, quem sabe, faço isso. Talvez me cobrem. Espero mesmo que nunca esqueçam de quem sou neta.
Recentemente, o melhor amigo da juventude do meu avô faleceu. Aconteceu depois de eles terem passado anos - muitos anos - sem se falar. Brigaram e ficaram de mal até o fim. E ele chorou e sofreu como uma criança, escondido. Meu avô finge que é mau, finge que é rude, mas, creiam, quem mais carrega dor por isso é ele próprio.
Amo aquele velhinho frágil, amo muito.
E, hoje, desejo que o seu aniversário seja feliz, que sua saúde se fortaleça e que seus dias sejam mais tranqüilos.
Ele merece.
Parabéns, vovô.
9 de agosto de 2007
"Paula enjoou de ser branquinha e quer ser estampadinha"
Novembro de 2001.
Eu com medo da reação, mas achei justo falar antes:
- Pai, o que você acharia se eu fizesse uma tatuagem?
- Uma tatuagem??
- É...
- Eu acharia massa! Acho lindo! Acho lindo mulher com tatuagem!
- SÉRIO?
- Quer tatuar o quê?
- Marcelo desenhou uma flor para mim.
- Que legal! Vai fazer quando?
- Acho que, pelo visto, agora mesmo.
- Então vai lá e volta cá para eu ver.
Fiz minha tulipa amarela, desenhada pelo meu primo, na região do tornozelo. Meu pai achou pequena. Minha mãe surtou.
------------------------------------------
Junho de 2006. Eu e Angelo resolvemos tatuar na pele a nossa união, as peças que nos faltavam um ao outro. Doeu loucamente, tatuar o pulso é uma tortura. Meu pai torceu o nariz e achou que fiz uma grande besteira. Minha mãe chorou e disse que estava decepcionada, achava que eu era inteligente demais para ter feito "tamanha burrice".
------------------------------------------
Agosto de 2006. Fui fazer uma tatuagem surpresa, ninguém sabia da minha nova intenção. Cheguei com a idéia de tatuar um troço que eu não sabia explicar direito o que era, só sabia dizer objetivamente o local do corpo escolhido. Fui descrevendo o que eu via, as formas que queria, pedi bolinhas e traços e, depois de narrar meus delírios, João definiu: você quer que eu desenhe um sopro? Sim, acertou, é isso. E a tatuagem foi feita direto na pele. Meu pai disse que era bonita, mas que já estava bom, é a última, certo? Minha mãe disse que era ridícula, você está se enchendo dessa coisa, está toda riscada, o povo tem preconceito, minha filha, pare com isso.
------------------------------------------
Setembro de 2006. Eu e Angelo voltamos ao estúdio para retocar as peças do quebra-cabeça. Enquanto meu então marido sofria, eu aguardava, me distraindo entre os desenhos de João. Encontrei lá no meio umas flores que eu havia visto em junho, que eu tinha achado lindas e que estavam reservadas para mim:
- Gostou? São suas. Vão esperar você para quando tiver coragem.
Desisti de fazer o retoque e tatuei o meu jardim. Ele se juntou à primeira flor, subindo pela batata. Meu pai riu. Minha mãe disse que tinha me feito perfeita e que eu estava me estragando.
------------------------------------------
Outubro de 2006.
- De tanto você fazer estas tatuagens doidas, eu sonhei que eu estava fazendo uma. Acho que fiquei com esta maluquice na cabeça.
- Hahahahahaha.
- Dói?
- Bem, como explicar? Depende... Não dóóóóóóói, é mais uma ardência. Dá para aguentar de boa.
- Será que seria ridículo se eu fizesse uma?
- HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUA!
- É, eu pensei que poderia fazer um desenho bonitinho em homenagem a meus filhos, que tal?
- Ai, ai, até parece...
- É sério, Paula, você acha que seria ridículo, não estou velha para isso?
- Minha mãe, eu ia achar massa, pena que você só está zoando com minha cara.
Mas não é que minha mãe fez uma tatuagem?
-------------------------------------------
Agosto de 2007. Fui retocar a porra toda. A tattoo da perna me custou três longas sessões no período em que foi feita, mas faltava retocá-la, consertar detalhes. João, quando viu a do braço, achou que precisava de uma segunda mão também. Vamos nessa.
- Quero sair daqui com alguma novidade, já estou na seca de traços novos.
- O que você quer?
- Aumenta a do braço.
- Com o quê?
- Uma borboleta, mais bolinhas, mais tracinhos.
- Vai ser na mão direto também, tá?
- Lógico, o braço é todo seu.
E o meu sopro cresceu.
----------------------------------------------
A frase-título é de minha tia Beth, achei o máximo quando ela disse isso, hahaha.
Eu com medo da reação, mas achei justo falar antes:
- Pai, o que você acharia se eu fizesse uma tatuagem?
- Uma tatuagem??
- É...
- Eu acharia massa! Acho lindo! Acho lindo mulher com tatuagem!
- SÉRIO?
- Quer tatuar o quê?
- Marcelo desenhou uma flor para mim.
- Que legal! Vai fazer quando?
- Acho que, pelo visto, agora mesmo.
- Então vai lá e volta cá para eu ver.
Fiz minha tulipa amarela, desenhada pelo meu primo, na região do tornozelo. Meu pai achou pequena. Minha mãe surtou.
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Junho de 2006. Eu e Angelo resolvemos tatuar na pele a nossa união, as peças que nos faltavam um ao outro. Doeu loucamente, tatuar o pulso é uma tortura. Meu pai torceu o nariz e achou que fiz uma grande besteira. Minha mãe chorou e disse que estava decepcionada, achava que eu era inteligente demais para ter feito "tamanha burrice".
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Agosto de 2006. Fui fazer uma tatuagem surpresa, ninguém sabia da minha nova intenção. Cheguei com a idéia de tatuar um troço que eu não sabia explicar direito o que era, só sabia dizer objetivamente o local do corpo escolhido. Fui descrevendo o que eu via, as formas que queria, pedi bolinhas e traços e, depois de narrar meus delírios, João definiu: você quer que eu desenhe um sopro? Sim, acertou, é isso. E a tatuagem foi feita direto na pele. Meu pai disse que era bonita, mas que já estava bom, é a última, certo? Minha mãe disse que era ridícula, você está se enchendo dessa coisa, está toda riscada, o povo tem preconceito, minha filha, pare com isso.
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Setembro de 2006. Eu e Angelo voltamos ao estúdio para retocar as peças do quebra-cabeça. Enquanto meu então marido sofria, eu aguardava, me distraindo entre os desenhos de João. Encontrei lá no meio umas flores que eu havia visto em junho, que eu tinha achado lindas e que estavam reservadas para mim:
- Gostou? São suas. Vão esperar você para quando tiver coragem.
Desisti de fazer o retoque e tatuei o meu jardim. Ele se juntou à primeira flor, subindo pela batata. Meu pai riu. Minha mãe disse que tinha me feito perfeita e que eu estava me estragando.
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Outubro de 2006.
- De tanto você fazer estas tatuagens doidas, eu sonhei que eu estava fazendo uma. Acho que fiquei com esta maluquice na cabeça.
- Hahahahahaha.
- Dói?
- Bem, como explicar? Depende... Não dóóóóóóói, é mais uma ardência. Dá para aguentar de boa.
- Será que seria ridículo se eu fizesse uma?
- HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUA!
- É, eu pensei que poderia fazer um desenho bonitinho em homenagem a meus filhos, que tal?
- Ai, ai, até parece...
- É sério, Paula, você acha que seria ridículo, não estou velha para isso?
- Minha mãe, eu ia achar massa, pena que você só está zoando com minha cara.
Mas não é que minha mãe fez uma tatuagem?
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Agosto de 2007. Fui retocar a porra toda. A tattoo da perna me custou três longas sessões no período em que foi feita, mas faltava retocá-la, consertar detalhes. João, quando viu a do braço, achou que precisava de uma segunda mão também. Vamos nessa.
- Quero sair daqui com alguma novidade, já estou na seca de traços novos.
- O que você quer?
- Aumenta a do braço.
- Com o quê?
- Uma borboleta, mais bolinhas, mais tracinhos.
- Vai ser na mão direto também, tá?
- Lógico, o braço é todo seu.
E o meu sopro cresceu.
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A frase-título é de minha tia Beth, achei o máximo quando ela disse isso, hahaha.
20 de julho de 2007
Conflito de gerações
A minha mãe adora farofa, mas come um tiquinho só, coloca no canto do prato e mela a garfada como se melasse com pimenta. Eu também adoro farofa, mas para mim ela precisa de uma quantidade proporcional ao banquete, encho e como com gosto. Eu digo isso para a minha mãe sempre, mas é em vão: toda vez que ela prepara um prato ou uma quentinha para mim, a farofa vem num cantinho quase imperceptível, que não dá para nada.
Não tem jeito. Tem coisas que a mãe da gente não entende.
Não tem jeito. Tem coisas que a mãe da gente não entende.
9 de julho de 2007
Kinsey
Vô,
talvez você não saiba, mas sou uma pessoa bem chata quando o assunto é filme. Eu quase nunca gosto muito de um, quase sempre acho que perdi tempo. Não consigo bem encarar esta arte como entretenimento, não vejo nada de divertido naquele ritual de ir para o cinema, como se fosse uma opção de programa como outra qualquer. Bem, talvez eu seja mais do que chata, talvez isto soe pedante, talvez eu seja caxias demais com algo que nem exigiria postura alguma, sei lá. O fato é que filme tem que me dizer alguma coisa, tem que falar comigo e me emocionar de alguma maneira. Já viu? Sou exigente. E autoritária. Estou brincando: este é apenas meu modo de ver, eu só gosto do que eu gosto e pronto. E, deste jeito, para estes raras obras que me tomam, eu dedico um amor profundo.
Eu vim lhe falar isso por um motivo simples: preciso que o senhor me liste todos os filmes que te causaram espanto, ojeriza e desgosto. Não, não quero aqueles que você não gostou porque são ingostáveis mesmo, os idiotas que tratamos com indiferença - quero saber exatamente os que não foram indiferentes, os que mexeram de verdade com sua antipatia. O motivo disso? Vou explicar: toda vez que fui assistir a um filme que lhe causou repulsa, eu fiquei apaixonada. Estou encantada. O fato de o senhor ser crítico de cinema não confunde o fato de que temos idéias completamente opostas. E, tendo esta sua lista em mãos, certamente vou me esbaldar até lamber os beiços.
A propósito, agradeço por ter me indicado Kinsey deste seu jeito tão peculiar. Que filme belíssimo!
Um beijo,
sua neta.
[Mais um texto tirado do baú, escrito em novembro de 2005.]
talvez você não saiba, mas sou uma pessoa bem chata quando o assunto é filme. Eu quase nunca gosto muito de um, quase sempre acho que perdi tempo. Não consigo bem encarar esta arte como entretenimento, não vejo nada de divertido naquele ritual de ir para o cinema, como se fosse uma opção de programa como outra qualquer. Bem, talvez eu seja mais do que chata, talvez isto soe pedante, talvez eu seja caxias demais com algo que nem exigiria postura alguma, sei lá. O fato é que filme tem que me dizer alguma coisa, tem que falar comigo e me emocionar de alguma maneira. Já viu? Sou exigente. E autoritária. Estou brincando: este é apenas meu modo de ver, eu só gosto do que eu gosto e pronto. E, deste jeito, para estes raras obras que me tomam, eu dedico um amor profundo.
Eu vim lhe falar isso por um motivo simples: preciso que o senhor me liste todos os filmes que te causaram espanto, ojeriza e desgosto. Não, não quero aqueles que você não gostou porque são ingostáveis mesmo, os idiotas que tratamos com indiferença - quero saber exatamente os que não foram indiferentes, os que mexeram de verdade com sua antipatia. O motivo disso? Vou explicar: toda vez que fui assistir a um filme que lhe causou repulsa, eu fiquei apaixonada. Estou encantada. O fato de o senhor ser crítico de cinema não confunde o fato de que temos idéias completamente opostas. E, tendo esta sua lista em mãos, certamente vou me esbaldar até lamber os beiços.
A propósito, agradeço por ter me indicado Kinsey deste seu jeito tão peculiar. Que filme belíssimo!
Um beijo,
sua neta.
[Mais um texto tirado do baú, escrito em novembro de 2005.]
14 de março de 2007
Debutante
Meu pai, como de costume, veio me buscar em casa no sábado de manhã para eu passar o fim de semana com ele. No carro, conversamos bobagens até que ele tomou coragem e falou:
- Tenho uma surpresa para você.
E eu soube na hora do que se tratava:
- Já sei.
- Já sabe? O que é?
- Já sei sim. Cecília está grávida.
- Nossa! Isso aí! Não é legal? Cecília está grávida!
Eu não disse nem que sim nem que não. Fiquei quieta, calada. Até hoje não sei como eu soube que a surpresa era essa, ninguém nem falava neste assunto, não havia nenhuma expectativa minha quanto a isso. Eu simplesmente entendi na mesma hora. E foi tão natural e óbvio que nem fiquei feliz nem nada. Parecia uma notícia qualquer. Cecília está grávida, pronto. Grandes coisas. Tive uma atitude de total indiferença, apesar de ter esta cena gravada na memória com uma nitidez enorme, lembro até onde o carro estava passando na hora da notícia.
Ao chegar na casa de meu pai, fui para o quarto brincar com meu irmão. Cecília estava em casa e parou na porta. Eu só disse "oi". Meu pai mandou:
- Dê os parabéns dela! Ela vai te dar mais um irmãozinho.
- Ah, tá: parabéns.
Levantei, dei um abraço nela e um beijo na barriga.
Acho que foi nesse exato instante que eu me apaixonei. Passei nove meses grudada naquela barriga, vibrando, torcendo, amando. E eu tinha certeza de que seria uma menina. Eu e meu irmão Pedro decidimos que a família deveria seguir a regra e colocar nela um nome iniciado com a letra "P". Nem demos chances de ninguém escolher nada, porque passamos a chamá-la de Patrícia e pronto. Fiquei viciada. Patrícia, Patríca, Patrícia. Sonhava com seu rostinho, imaginava o que iríamos fazer juntas, conversava horas com a barriga, ficava sentindo os chutes, ajudei a escolher o enxoval, arrumava o quartinho dela, só falava neste assunto. A minha ansiedade era a maior da família, eu não aguentava mais esperar o nascimento.
Então, no dia 14 de março de 1992, meu pai ligou para minha casa:
- Quer conhecer sua irmã? Corre para cá, ela nasceu.
Desci louca pela rua, gritei Pedro, que estava brincando com uns amigos, e fomos em comitiva, uma meninada enorme, conhecer a minha irmã. Pat nasceu numa clínica que ficava na minha rua, fomos correndo, eu nem acreditava, um êxtase sem tamanho. E quando vi aquele trocinho pequeno, vermelha que nem tomate, carequinha, com unhas enormes, totalmente indefesa, eu nem sabia o que fazer. Era a coisa mais linda do mundo. Do alto dos meus 10 anos, fiz dela minha boneca preferida, meu xodó, meu grande amor. Foi uma delícia.
Pat continua linda, uma garota cheia de virtudes, meu orgulho. Hoje, no dia do seu debut, olho para a minha loira de olhos azuis e penso em quanta felicidade ela já me proporcionou. Sou absolutamente fã, absolutamente boba. Adoro vê-la se transformar cada vez mais em alguém que desperta paixões instantâneas que, depois, se concretizam em formas mais sólidas inevitavelmente. Como acontece comigo a cada dia que a olho e sinto meu amor aumentar. Minha bonequinha é minha paixão eterna.
Parabéns, minha RIMÃ, pelos seus 15 anos.

Em 1992

Em 2007 (não é linda de doer?)
- Tenho uma surpresa para você.
E eu soube na hora do que se tratava:
- Já sei.
- Já sabe? O que é?
- Já sei sim. Cecília está grávida.
- Nossa! Isso aí! Não é legal? Cecília está grávida!
Eu não disse nem que sim nem que não. Fiquei quieta, calada. Até hoje não sei como eu soube que a surpresa era essa, ninguém nem falava neste assunto, não havia nenhuma expectativa minha quanto a isso. Eu simplesmente entendi na mesma hora. E foi tão natural e óbvio que nem fiquei feliz nem nada. Parecia uma notícia qualquer. Cecília está grávida, pronto. Grandes coisas. Tive uma atitude de total indiferença, apesar de ter esta cena gravada na memória com uma nitidez enorme, lembro até onde o carro estava passando na hora da notícia.
Ao chegar na casa de meu pai, fui para o quarto brincar com meu irmão. Cecília estava em casa e parou na porta. Eu só disse "oi". Meu pai mandou:
- Dê os parabéns dela! Ela vai te dar mais um irmãozinho.
- Ah, tá: parabéns.
Levantei, dei um abraço nela e um beijo na barriga.
Acho que foi nesse exato instante que eu me apaixonei. Passei nove meses grudada naquela barriga, vibrando, torcendo, amando. E eu tinha certeza de que seria uma menina. Eu e meu irmão Pedro decidimos que a família deveria seguir a regra e colocar nela um nome iniciado com a letra "P". Nem demos chances de ninguém escolher nada, porque passamos a chamá-la de Patrícia e pronto. Fiquei viciada. Patrícia, Patríca, Patrícia. Sonhava com seu rostinho, imaginava o que iríamos fazer juntas, conversava horas com a barriga, ficava sentindo os chutes, ajudei a escolher o enxoval, arrumava o quartinho dela, só falava neste assunto. A minha ansiedade era a maior da família, eu não aguentava mais esperar o nascimento.
Então, no dia 14 de março de 1992, meu pai ligou para minha casa:
- Quer conhecer sua irmã? Corre para cá, ela nasceu.
Desci louca pela rua, gritei Pedro, que estava brincando com uns amigos, e fomos em comitiva, uma meninada enorme, conhecer a minha irmã. Pat nasceu numa clínica que ficava na minha rua, fomos correndo, eu nem acreditava, um êxtase sem tamanho. E quando vi aquele trocinho pequeno, vermelha que nem tomate, carequinha, com unhas enormes, totalmente indefesa, eu nem sabia o que fazer. Era a coisa mais linda do mundo. Do alto dos meus 10 anos, fiz dela minha boneca preferida, meu xodó, meu grande amor. Foi uma delícia.
Pat continua linda, uma garota cheia de virtudes, meu orgulho. Hoje, no dia do seu debut, olho para a minha loira de olhos azuis e penso em quanta felicidade ela já me proporcionou. Sou absolutamente fã, absolutamente boba. Adoro vê-la se transformar cada vez mais em alguém que desperta paixões instantâneas que, depois, se concretizam em formas mais sólidas inevitavelmente. Como acontece comigo a cada dia que a olho e sinto meu amor aumentar. Minha bonequinha é minha paixão eterna.
Parabéns, minha RIMÃ, pelos seus 15 anos.

Em 1992

Em 2007 (não é linda de doer?)
25 de fevereiro de 2007
Tempo, tempo, mano velho
Ontem, Angelo inventou de dar uma renovada no álbum dele do Orkut. Estávamos olhando e reolhando fotos, até que ele encasquetou de pegar umas do fundo do baú, para escanear e incluir momentos em que a câmera digital não existia.
Neste vai-e-vem, fiquei surpresa muitas vezes ao rever imagens de nós dois, do início do namoro até hoje. É impressionante como a gente já mudou. Senti uma ponta de indignação por ver que já fomos mais bonitos, esbeltos e ensolarados. Como pode? Como pode? Vamos voltar à dieta já! Como assim tantas mudanças do dia para a noite?? E foi num estalo que então me caiu a ficha: cinco anos não são cinco dias, claro que estamos mais velhos e bochechudos. Na hora, me veio a imagem do meu pai e da esposa dele: o que eles devem pensar ao se ver em fotos de mais de vinte anos? E aí, o que será que pensarei? Quando conheci Angelo, ele tinha vinte e seis anos, agora eu, que na época tinha acabado de fazer vinte e um, é que estou prestes a ter esta idade. O tempo voa. O tempo me assusta profundamente.
Hoje, por exemplo, meu irmãozinho lindo está fazendo onze anos. O-n-z-e anos. No dia dos meus quinze anos, em um almoço em família, carreguei ele no colo, neném babão, para dançarmos a valsa juntos. Um bonequinho lindo, que agora me ensina a dançar. Parece que foi ontem.
Tento não ficar pensando nisso, mas eu morro de medo do tempo. É a minha maior agonia. Sempre tenho crises em fim de ano e nos meus aniversários porque é quando o tempo se mostra mais nitidamente. Lá vem ele, poderoso e invencível, incontrolável.
Fico tentando enumerar as tantas coisas que fiz na vida para não enlouquecer com a passagem do tempo. É sério. Porque eu vejo o dia acabar e sempre pergunto o que mais eu poderia ter feito para aproveitá-lo. Doideira compulsiva total. Como pode? Passou mais um dia? Como pode? Os supermercados já estão vendendo ovos de Páscoa?? Fui fazer compras hoje e lá estavam eles pendurados sobre minha cabeça, tenho vontade de quebrar tudo e protestar: peraí, meu povo, eu ainda estou em clima de carnaval, não acelerem as coisas não!
E no meu exercício de reconhecer que meu tempo tem valido a pena, me lembro das delícias da minha infância, dos tempos de colégio, destes já tantos anos de faculdade, e de tanta gente que conheci, paixonites e amores, viagens e festas, amigos, aprendizados e blá blá blá. Por outro lado, penso em quanta coisa ainda quero fazer, e tanta coisa para as quais o tempo mostra longas estradas, como quando se trata de querer comprar uma casinha minha. Nossa. Minha e de Angelo. Ao mesmo tempo em que o tempo me atropela, ele me impõe grandes distâncias de muitas coisas. Isso é de enlouquecer mesmo. Mesmo e mesmo.
A gente consegue se esquivar de qualquer coisa nesta vida, menos dele. Não podemos pedir trégua, fechar os olhos ou sair um pouco da cidade para nos livrarmos dele. E isto tudo nada tem a ver com ansiedade. Não me considero ansiosa, nem um pouco. Talvez seja mais uma coisa que atrapalhe minha relação com ele, porque sou relax, desleixada, solta e preguiçosa, aí dá para ver muito mais claramente que estou sendo levada nesta maré incessante.
Não queria recomeçar o blog reclamando, nem estou. Nem posso brigar por isso. Só posso fazer da minha vida o melhor que eu conseguir. No tempo que me houver. Juro que tento, juro que tentarei mais ainda.
P.S. 1: Eu e Angelo carregamos as marcas de quase cinco anos passados, mas não sou boba de só ver o lado ruim disso. Temos uma história linda que me orgulha muito e me faz feliz demais.
P.S. 2: Falando em tempo, havia nove meses que matei meu último blog. Retomar a prática é uma decisão que diz respeito a um hábito que preciso incluir mais no meu tempo: escrever.
Neste vai-e-vem, fiquei surpresa muitas vezes ao rever imagens de nós dois, do início do namoro até hoje. É impressionante como a gente já mudou. Senti uma ponta de indignação por ver que já fomos mais bonitos, esbeltos e ensolarados. Como pode? Como pode? Vamos voltar à dieta já! Como assim tantas mudanças do dia para a noite?? E foi num estalo que então me caiu a ficha: cinco anos não são cinco dias, claro que estamos mais velhos e bochechudos. Na hora, me veio a imagem do meu pai e da esposa dele: o que eles devem pensar ao se ver em fotos de mais de vinte anos? E aí, o que será que pensarei? Quando conheci Angelo, ele tinha vinte e seis anos, agora eu, que na época tinha acabado de fazer vinte e um, é que estou prestes a ter esta idade. O tempo voa. O tempo me assusta profundamente.
Hoje, por exemplo, meu irmãozinho lindo está fazendo onze anos. O-n-z-e anos. No dia dos meus quinze anos, em um almoço em família, carreguei ele no colo, neném babão, para dançarmos a valsa juntos. Um bonequinho lindo, que agora me ensina a dançar. Parece que foi ontem.
Tento não ficar pensando nisso, mas eu morro de medo do tempo. É a minha maior agonia. Sempre tenho crises em fim de ano e nos meus aniversários porque é quando o tempo se mostra mais nitidamente. Lá vem ele, poderoso e invencível, incontrolável.
Fico tentando enumerar as tantas coisas que fiz na vida para não enlouquecer com a passagem do tempo. É sério. Porque eu vejo o dia acabar e sempre pergunto o que mais eu poderia ter feito para aproveitá-lo. Doideira compulsiva total. Como pode? Passou mais um dia? Como pode? Os supermercados já estão vendendo ovos de Páscoa?? Fui fazer compras hoje e lá estavam eles pendurados sobre minha cabeça, tenho vontade de quebrar tudo e protestar: peraí, meu povo, eu ainda estou em clima de carnaval, não acelerem as coisas não!
E no meu exercício de reconhecer que meu tempo tem valido a pena, me lembro das delícias da minha infância, dos tempos de colégio, destes já tantos anos de faculdade, e de tanta gente que conheci, paixonites e amores, viagens e festas, amigos, aprendizados e blá blá blá. Por outro lado, penso em quanta coisa ainda quero fazer, e tanta coisa para as quais o tempo mostra longas estradas, como quando se trata de querer comprar uma casinha minha. Nossa. Minha e de Angelo. Ao mesmo tempo em que o tempo me atropela, ele me impõe grandes distâncias de muitas coisas. Isso é de enlouquecer mesmo. Mesmo e mesmo.
A gente consegue se esquivar de qualquer coisa nesta vida, menos dele. Não podemos pedir trégua, fechar os olhos ou sair um pouco da cidade para nos livrarmos dele. E isto tudo nada tem a ver com ansiedade. Não me considero ansiosa, nem um pouco. Talvez seja mais uma coisa que atrapalhe minha relação com ele, porque sou relax, desleixada, solta e preguiçosa, aí dá para ver muito mais claramente que estou sendo levada nesta maré incessante.
Não queria recomeçar o blog reclamando, nem estou. Nem posso brigar por isso. Só posso fazer da minha vida o melhor que eu conseguir. No tempo que me houver. Juro que tento, juro que tentarei mais ainda.
P.S. 1: Eu e Angelo carregamos as marcas de quase cinco anos passados, mas não sou boba de só ver o lado ruim disso. Temos uma história linda que me orgulha muito e me faz feliz demais.
P.S. 2: Falando em tempo, havia nove meses que matei meu último blog. Retomar a prática é uma decisão que diz respeito a um hábito que preciso incluir mais no meu tempo: escrever.
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