24 de abril de 2007

João e a Bic

Me esbarrei com este texto arrumando meus arquivos. O fiz ano passado, para meu querido amigo-artista-personal-tatuator-tabajara João Paulo. JP, para os íntimos. Ele iria apresentar em algum troço lá, preciava de uma descrição apaixonada.
Aproveito para fazer propaganda.


Enquanto os números se apresentavam no quadro-negro e as explicações matemáticas eram articuladas, o garoto abria seu caderno e rabiscava os traços do seu talento. Desenhava com o que tinha inevitavelmente em mãos: uma caneta Bic, a esferográfica simples do uso cotidiano de todos os colegas. Aborrecia-se com a rotina das aulas e desligava-se de tudo ao escolher uma página e destampar a caneta. Começava, então, sua sessão de dedicação ao prazer de ser artista, riscando belezas, descobrindo formas: cinqüenta minutos em sala, cinqüenta minutos ininterruptos criando. Fatalmente, o sufoco para conquistar aprovação nas disciplinas aumentava, mas suas folhas de papel enchiam-se aos poucos de cores progressivamente mais perfeitas.

Um dia, o garoto olhou seu caderno com atenção e se deu conta de que carregava uma galeria. Ele havia, sozinho – sem ensino, sem ajuda –, desenvolvido uma técnica própria, única. Seus desenhos adquiriram uma qualidade extrema, com efeitos e luzes que saltavam aos olhos. Quem diria, quem mesmo diria, que tudo aquilo tinha vindo da ponta redonda de uma singela caneta Bic. Os detalhes e a vida de suas invenções impressionavam os que tinham o prazer de conhecê-las; a perfeição das formas havia sido conquistada às custas de muitas horas de treino. Dali, não havia mais limites para os feitos artísticos de João com uma caneta Bic em punho.

Ficou decidido: era isto o que ele queria na vida. Dedicou-se ainda mais, leu muito, treinou tanto quanto podia. Não é fácil investir no aprimoramento de algo do qual não se há referência, mas isto foi ainda um desafio instigante: era tudo seu. Era sua grande paixão tomando as formas de suas vontades incrivelmente habilidosas. Lapidou-se. Custou-lhe tempo, muito tempo, mas lhe rendeu uma felicidade e uma satisfação maiores do que absolutamente tudo. O amor que João tem pelo que faz às vezes até o assusta.

[Caneta esferográfica sobre papel. Tamanho A4. JP, 2000.]

Clica aí para ver maior. E olha a porra da sombra. Tudo Bic, apenas Bic.

Um comentário:

  1. mais um amigo e admiração que temos em comum, paulinha. não foi à toa que sem rascunho, na total confiança, entreguei minha nuca a esse garotinho pra que rabiscasse em mim (para sempre) um pouco dessa arte toda que carrega em si. rs!

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