27 de novembro de 2007

Grandpa

Meu avô me confunde.
E, sempre que tento falar de quem ele é, pareço estar me contradizendo todo o tempo.
É fácil fazer uma lista de adjetivos opostos para descrevê-lo.
Parece um daqueles ditados de antônimos de quando estamos na 1ª série:
"Alegre?" - "Triste!"
"Forte?" - "Fraco!"
"Gentil?" - "Rude!"
"Amável?" - "Áspero!"
"Repulsivo?" - "Simpático!"
"Mau?" - "Bom!"

Consigo visualizar com nitidez os dois homens que habitam dentro do meu avô. É assim, talvez, porque ele é uma pessoa de extremos. É 8 ou 80. Ama ou odeia. É amigo-irmão ou inimigo de morte. No entanto, espremendo tudo, tirando os excessos que disfarçam sua consciência, fica aqui para mim, transparente como água, uma verdade incontestável: meu avô tem o maior e mais mole coração do mundo. É um menino bobo, que choraminga à toa, que tem dificuldade em dizer "não", que faz qualquer coisa por aqueles que ama.

Também não é difícil fazer uma lista das coisas chatas que meu avô me fez viver e de certas teorias doidas que tentou me ensinar. Hoje, “do alto de minha adultez”, eu compreendo as razões de suas famosas imprudências: meu avô é um homem da década de 20, educado de maneira severa, instruído a manter uma tal honradez masculina, dos valores rígidos de moral e família, logicamente distante do universo feminino e, sobretudo, drasticamente oposta à liberdade sexual (de quem não é macho, presume-se). Já pedi desculpas pessoalmente a Luiz Mott, ex-presidente do Grupo Gay da Bahia, pela intolerância que meu avô um dia teve espaço para disseminar. Pedi desculpas em nome dele, em meu nome, em nome deste sobrenome marcante que carregamos. Acho que, se meu avô fosse um homem menos orgulhoso, faria o mesmo, hoje. Infelizmente, creio que vai partir deste mundo deixando a fama de ser o “homófobo mais raivoso do Brasil”, como o próprio Mott definiu.

Faço críticas a meu avô abertamente, inclusive diante daquelas pessoas que vêm me felicitar por ser neta dele, em especial quando as razões das congratulações se argumentam neste sentido: é claro que me dá agonia quando alguém se aproxima e sacode minha mão dizendo que “ainda bem que existem pessoas como Seu José, para defender a moral e os bons costumes deste país sem-vergonha”. Sem-vergonha este país é, quem sou eu para discordar, mas vergonhoso mesmo é achar que homem que beija na boca de homem pode causar algum problema para a sociedade em decorrência deste fato, pontual e simplesmente. Me poupem.

A despeito disso tudo, carrego muito orgulho por ser neta de José Augusto Berbert de Castro. Sim. Meu avô me ensinou a ter gosto por leitura, por filmes, por conhecimento. Meu avô me proporcionou muitas coisas, foi muito presente na minha infância, cuidou de mim, me deu carinho e amor daqueles que chegam a ser sufocantes! Meu avô é um homem cultíssimo, de memória impressionante. Um contador de histórias que adora divertir as pessoas e falar das emoções da vida. Meu avô conquistou espaço, respeito e reconhecimento através do seu trabalho, mesmo em meio a tantas polêmicas. E é um belo exemplo de lealdade, firmeza e honestidade.

Definir meu avô e contar o que ele representa em minha vida é tarefa que me custaria um livro, sem exagero. Um dia, quem sabe, faço isso. Talvez me cobrem. Espero mesmo que nunca esqueçam de quem sou neta.

Recentemente, o melhor amigo da juventude do meu avô faleceu. Aconteceu depois de eles terem passado anos - muitos anos - sem se falar. Brigaram e ficaram de mal até o fim. E ele chorou e sofreu como uma criança, escondido. Meu avô finge que é mau, finge que é rude, mas, creiam, quem mais carrega dor por isso é ele próprio.

Amo aquele velhinho frágil, amo muito.
E, hoje, desejo que o seu aniversário seja feliz, que sua saúde se fortaleça e que seus dias sejam mais tranqüilos.
Ele merece.
Parabéns, vovô.

11 comentários:

  1. Em primeiro lugar, parabéns a ele pelo aniversário e pela vida dedicada à escrita. Parabéns a você também, que com certeza herdou este mesmo dom.
    Em segundo, devo mencionar o quanto me lembrei do meu avô ao ler estas linhas. Homem difícil, como suponho ser o seu, mas com um coração imenso. Hoje, creio (e espero!) que esteja num lugar melhor que aqui...
    Pra sempre o herói da minha vida =)

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  2. Que lindo, Roberta!
    Sei do que está falando.

    E obrigada, por mim e por ele.

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  3. Paula,

    Acompanho seu blog já há algum tempo, desde o extinto "Íris Cor de Mel", mas nunca me pronunciei a respeito de seus pensamentos e divagações cotidianas. Mas ao me deparar com tal descrição minuciosa sobre a figura de seu avô, um autêntico (com ênfase) representante do jornalismo baiano, achei por bem comentar. Conheço um pouco da história do clã dos Berbert de Castro por intermédio do meu amigo ilheense (e seu suposto primo) Matheus e seus familiares. Embora reconhecido pela polêmica, sempre compatilhei da mesma opinião que você sobre a figura paradoxal de José Berbert. Creio que os críticos mais ardorosos nunca situaram as diversas nuances de seu pensamento no tempo, nem levaram em conta a figura humana escondida por detrás da capa de vilão. Me arrisco inclusive a dizer que não existe hoje profissional de imprensa na Bahia com tamanha personalidade, vigor criativo e retidão de caráter. Enfim, o "maldito" é um exemplo pra todos nós.

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  4. Marcelo,
    o seu comentário me deixa honrada. Honrada por você ter esta compreensão e por saber que você acompanha o que escrevo há tanto tempo.
    Sim, ele é mesmo um grande exemplo, não é sempre que nos deparamos com profissionais capazes de defender tão apaixonadamente as suas idéias. Muito obrigada por ter decidido comentar, me deixou muito feliz (também não é sempre que nos deparamos com leitores tão bem articulados!).

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  5. Que saudade do meu avô.
    Você proporcionou alguns minutos de felicidade, recordações e coisas que vivi ao lado do meu Grandpa. Cheguei a reler algumas linhas só pra lembrar mais um pouco.

    =]

    Obrigado pelo comentário lá no dnigma. É uma honra um elogio seu.
    Beijo e Parabéns

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  6. bom dia , minha querida,fui criado lendo o jornal a tarde principalmente a coluna sobre cinema , e se nao me engano a ultra leve,mas infelizmente tive que me ausentar do estado, e nao mantive mas contato com o jornal, nem soube nada sobre meu querido professor, quantas risadas nao dei ao ler seus artigos, sei que a sra deve ser muito ocupada, mas gostaria de saber se o sr. berbert tem algum site , onde posso encontrar os artigos dele, fiquei muito feliz, em sabr que ele continua na ativa, ele participa da turma da madrugada? por favor mande mande noticias dele pelo meu imail,rugal42@hotmail.com, irei ficar esperando anciosamente.
    Desculpe o incomodo
    thau e abraços a todos, fique com Deus

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  7. Paula parabens seu avô é lindo,real,hoje não vemos pessoas assim,autênticas,verdadeiras.Estou postando este comentário,porque além do relato outra coisa chamou minha atenção,foi o comentário de Marcelo Barsan.Não o conheço mas gostaria de entrar em contato,à muito procuro a origem do nome Barsan que tambem é o meu,você pode ajudar?

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  8. Alegria,
    obrigada.
    Não conheço o Marcelo Barsan, infelizmente não tenho como ajudar...

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  9. Atualmente radicado aqui no Rio de Janeiro, venho a saber tardia-mente do falecimento do grande José Augusto Berbert ... a quem adorava ler suas críticas e comparar o que eu achara e o que ele achara de tal filme, ou livro em suas críticas no Jornal A Tarde de Salvador...
    Confesso que ás vezes terminava de ler as críticas com tremenda raiva daquele danado, muitas vezes ria as gargalhadas com seu comentários ácidos e mau humorados... e acompanhei por várias vezes suas *brigas com o Mott ...

    deixo aqui tardia-mente mas sincero e emocionado meu adeus ao Berbert !!

    Edson Sousa

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  10. Queridona, sou apaixonada até hoje por seu avô, que ouso dizer, também me chamava gentilmente de "minha netinha", sem sombra de dúvidas uma das almas mais nobres e gentis que tive o priilégio de conhecer nessa vida. O que era para ser uma entrevista, virou amizade e eu adorava estar com ele e sua avó Licia na casa do Rio Vermelho, ele me confessou que não era mais homofóbico na última entrevista, e que nem nunca tinha sido, mas adorava causar polêmica,
    estou escrevendo no meu blog sobre ele hoje...
    www.lulupensante.blogspot.com

    Sinto muito ele não estar maias aqui, mas deve estar batendo um baba com irmã Dulce e Dulcinha lá no céu!
    bjs

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