31 de outubro de 2007

“Porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim”

Uma vez, escreveu para repetir - e falar pela primeira vez algumas coisas também - que sentiria saudades, que adorou tê-lo conhecido, que se divertiu muito, que vai ser bom contar a história para os netos, que o playground do seu prédio não seria mais o mesmo, que encontrar gente que nem ele é raro, que era bom beijá-lo até com gosto de cachorro-quente, que ele foi muito legal em entender o seu mau-humor temporário, que foi bacana falar pelos cotovelos e contar tantas histórias enormes (e que se sentiu acolhida e confortável a ponto de fazer confissões íntimas que não costuma anunciar por aí), que gosta das coisas que ele conseguiu dizer em meio a seus monólogos e que elas estarão confidencialmente guardadas, que tentou fugir daquele encontro com início, meio e fim programados, mas que não conseguiu, que teve vontade de bater nele por ele não tê-la deixado quieta no seu canto, que teria tido ainda mais vontade de bater nele se ele a tivesse deixado quieta no seu canto, que foi bom dançar com ele, beber com ele, fazer farra com ele, que a lista do que admira nele é longa, excessivamente longa, que era meio doido estar então no papel do terceiro elemento e ter noção do espaço que podia ter em sua vida (e que achava que a esposa dele é uma mulher de sorte), que adorava suas ligações carinhosas e adorava mais ainda os elogios que ele fazia, que ficava rindo feliz das aventuras adolescentes, que transar com ele era delicioso, ainda que não tivessem deitado juntos numa cama, que foi bonitinho ele testemunhar o momento mulherzinha dela diante de uma barata, que lhe viam à cabeça algumas frases bastante piegas, que o desejava o melhor desta vida e que gostava dele de verdade.
E disse:
“Boa viagem, boa volta, boa vida, se cuida.”

(Título roubado de Drummond.)

16 de outubro de 2007

15 Parabéns

Você já votou? Você vai comemorar com a gente? Você viu que eles estiveram no , no Bem Brasil, estreando clipe na MTV, na TVE de Minas, TVE Bahia, no Jornal da MTV, e em várias outras coisitas e ocasiões que escapuliram do YouTube? Você viu como eles deram show no teatro ao lado de Morotó e de Ronei? O teaser, você viu? E Wilson Melo mandando Fábio tomar no cu? E Queda Livre, minha preferida?

15 de outubro de 2007

Quem o chamou?

Eu pus a língua para fora e me entornei em copos cheios de gelo. Um homem fardado se aproximou e me fez elogios com um tom rude, quase com raiva de ter gostado, parecia. Foi a primeira vez que me chamaram de patricinha e que não tomei como ofensa – mas, pensando bem, não me vem à memória outra situação em que isso tenha acontecido. Patricinha, eu? Não ousaram um julgamento deste antes, decerto. Eu ri e fiquei sem conseguir mais, durante alguns minutos, tirar o riso da cara. Ficou preso. Eu deveria ter desconfiado de que isso é coisa de polícia, este poder carregado em cada palavra, cada espaço, cada reticência, esta força ensaiada. A despeito disso, não perdi a pose. Nunca me incomodei mesmo com a avaliação feita sobre mim. Será que ele achou que eu iria baixar a cabeça? Será que ele achou que eu iria recuar, negar, me sentir envergonhada? Fato é que eu não tentaria recompensar minhas vulgaridades – o tempo para gastar com isso me reserva coisas melhores. Pus a língua para fora mais uma vez, e outra e outra, ao que ele disse que minha conduta se assemelhava à de ofídios peçonhentos, enquanto confessava se atrair por isso quase como quem se diz masoquista, “maltrata que eu gosto, maltrata que eu gosto”. E eu me apaixonei por cada vírgula e o riso ficou mais preso e eu não parava de repetir em pensamento o que escutei, letra por letra. Hedonista, safada, frívola, despudorada, fútil, venenosa. Onde surgiu tamanha capacidade em usar palavras perfeitas assim, de modo tão escandalosamente envolvente? Quando aprendeu a dizer exatamente aquilo que vai deixar a outra com vontade de ouvir mais? O que devo fazer para que não acabe? Para que me xingue e encare?

Diz-se retardado diante de uma mulher!

7 de outubro de 2007

Domingo

Eu fico aqui com o cheiro de ontem, o cheiro da fumaça e do suor, da sujeira no chão, do carro descuidado. Das músicas que cantei, do tom de voz descontrolado, dos risos sem-vergonha, de toda falta de vergonha, melhor dizendo. E os copos, as pedras de gelo, as conversas forçadas e as tentativas de me afastar de uns chatos. Ainda do meu disfarçado modo de procura, a procura mal sucedida e eu olhando de canto. Do teatro, do balde azul, da moça que acho bonita, dos degraus, da maquiagem, do desfile cuja repercussão desconheço. Máquina fotográfica, falação, sanduíche, fome, fome, fome e só como porcaria. Recapitulo em busca de decifrar os pedaços deste cheiro de hoje, os discursos, a curiosidade, os risos, o telefone, o amanhecer, o "boa noite".
E eu dormi na cama mais gostosa do mundo.

2 de outubro de 2007

Autorização

Hei, você aí!
O ilustríssimo senhor não autoriza comentário em seu blog, como eu direi que autorizo?

E aproveitemos para esclarecer: Marina não tem nada de genial, foi só um surto psicótico; Marina está aí pela net, quase em domínio público, então que sentido haveria eu não autorizar?; Marina está registrado em meu nome, sou dona-doníssima dele, então use e abuse à vontade, só não ganhe dinheiro com isso que eu corro atrás dos royalties; até onde sei, se você cita o autor de uma obra não-publicada, cujos direitos não foram comprados por ninguém, pode-se colocar pelos blogs do mundo sem precisar pedir autorização e sem se sentir anti-ético.

Enfim, manda bala!

25 de setembro de 2007

Quebra-cabeça

Dani me perguntou:
- E aí, como é isso?
E eu respondi:
- Na verdade, Dani, vou ser bem honesta: a única coisa chata de eu ter uma tatuagem com o nome do meu ex é ter de responder sempre a esta mesma pergunta.

Quando eu e Angelo terminamos, meu pai lamentou: "Poxa, tá vendo?, não se faz uma coisa definitiva assim, vai ter de conviver com isso agora".

E lá vou eu.
Pois foi naquele momento, eu acho, que me dei conta de que o problema com o qual eu teria de conviver seria esse.

Quando nós decidimos escrever na pele o nome um do outro, claro que eu não pretendia me separar. Mas também não era o pensamento de que ficaríamos juntos para sempre que motivava a minha escolha. Não sei de onde as pessoas tiram a idéia de que eu poderia ter ido fazer esta tatuagem me garantindo nisso. A única certeza que existia era de que o registro seria eterno e ficaria comigo até o meu fim. Pronto. Eu quis, nós quisemos, fazer a marca da nossa passagem, sem nunca poder prever aonde ela chegaria. Angelo foi o homem que me fez optar por isso, que me fez acreditar nisso, o que já me foi e é suficiente.

As pessoas arregalam os olhos, perguntam "e agora?", dizem "que merda, hein?", fazem "pshhhh!", tentam me dar carão, ficam com pena, balançam as cabeças, perguntam se estou bem... Tudo isso simplesmente porque perguntam "quem é Angelo?", e eu digo que é meu ex-marido. Nossa, é um alvoroço. Eu rio, ou simplesmente dou um beijo na tatuagem, não tenho saco de argumentar com qualquer um.

Não fui eu que disse isso a Renata, provavelmente ela questionou a algum amigo em comum, porque já chegou em mim sabendo de tudo e falou a coisa mais legal que já ouvi sobre esta situação: "Vocês devem ter sido um casal e tanto para serem os únicos que já vi na vida que não pretendem cobrir uma tatuagem do tipo, admiro vocês". Bingo.

Dizem que um dia eu vou mudar de idéia, mesmo quando explico toda essa história. Dizem que um dia eu não quererei mais ter esta marca em mim. Mais uma vez eu prefiro não tentar adivinhar o futuro. O que importa, de fato, é que agora eu não tenho a mínima intenção de tentar apagar esta escolha tão especial e verdadeira. Angelo nem precisaria estar na minha pele para estar eternamente no meu coração.

11 de setembro de 2007

São Paulo é menor que Salvador ou O acaso paulista é lindo

Quinta-feira, dia 6. Eu e Rafa chegamos em São Paulo, arriamos as malas no hotel e saímos famintas para comer pizza na Augusta. A idéia era acalmar o estômago, voltar feliz para um cochilo e, então, encarar banho e festa.

Andando contentes pela rua, batendo papo distraídas, Rafa, que bem conhece minha fixação - agora em total crise - pelos cabelos curtos, avista uma bela morena com um corte lindo de doer. Olhou e ia me mostrar e não entendi quando ela ficou meio congelada com cara de dúvida (por que parou, parou por quê?).

- Aquela ali não é Renata?
- Ahn?
- Olha ali, é Renata?

Caraaaaaalho, não acredito! É grito, é pulo, é abraço e Renata, amiga carioca que mora em Sumpaulo, ordena: lógico que vocês vão sentar aqui para tomar uma cerveja comigo e brindar o grande encontro casual. O que era para ser um copo vai virando um monte de garrafa vazia na mesa, quando Renata comemora: caraaaaaaaaaalho, não acredito! Era Rodrigo, amigo dela, chegando no boteco, outra aparição não-prevista. "As baianas" foram devidamente apresentadas e foi vez da ordem dele: juntem-se a nós. Num instante, estávamos com um bolo de gente, papo sem fim e aquela delícia de conhecer mais gente boa deste mundo. Rodrigo e Rubens ganham troféu de quero-ser-amiga-deles.

[Da esquerda para a direita: Rafa, eu, Vitor, Renata, Rubens, Tina, Rodrigo e Paula, no Escócia, boteco na Augusta - aquele paraíso na Terra -, num dos encontros casuais mais legais da história da humanidade.]

Algumas horas depois, tomamos coragem de abandonar o povo para encarar o banho e tal e tal. Passamos numa banca de revista e... Caraaaaaaaaaalho, não acredito! Danilo, um querido paulista do coração, me aparece perdido por lá - tempo de dar um abraço e marcar umas coisas e tudo mais. Oba.

A noite foi parar na Loca e estava eu lá, dançando na minha, quando me vem outra surpresa.

- Lemu?
- Paulinha!
- Caraaaaaaaaaalho, não acredito!!!

Lemuel é lindo, mora no meu coração e eu não o via há anos. Bom demais dançar com ele, trocar umas risadas, falar um pouco da vida.

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Sexta-feira, dia 7. Andávamos à tarde pela rua e nos cruzamos numa esquina com Rodrigo. Êêêêêêêêê! Neste mesmo dia, em momentos e lugares diferentes, esbarramos com ele três vezes. Na última, nos convencemos de que o universo estava conspirando para nos unir e marcamos encontro pro dia seguinte.

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Sábado, dia 8. Acordo e tem mensagem de Rabuja contando que Dani está chegando em Sumpaulo. Dani também é do Rio e encontrá-la era obrigação. Passamos o dia trocando mensagens e telefonemas interurbanos para acertar as coisas. À noite, enfim juntas:

- Você está hospedada onde?
- Num hotel na Consolação.
- Qual??
- O Formule 1.
- Nós tambééééém!!!
- Puta merda, qual o quarto de vocês?
- 1863.
- Caraaaaaaaaaaalho, não acredito, estamos separadas por apenas uma porta.
- Jesus, a gente fazendo interurbano estando lado a lado.

Neste mesmo dia, passamos uma tarde deliciosa com Rodrigo e Rubens. Baião de dois, cerveja, lojinhas, feirinha. Rodando em meio ao chorinho da Benedito Calixto, Rafaela faz cara de dúvida outra vez:

- Paula, ali é Felipe?
- Ahn?

Caraaaaaaaaaaaaalho, tá foda, não acredito. Felipe, amigo de Salvador, estava também rondando por Sampa no feriadão.

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São Paulo é muito pequena, só pode.

2 de setembro de 2007

Paula Bethania

Zeca diz:
nao corte nao viu dona mainha?
Paula diz:

Zeca diz:
ja cortou???
Paula diz:
eu sou tão feia assim de cabelo curto, é?
Zeca diz:
eita! nada disso
Paula diz:
entao por que esta campanha tão convicta?
Zeca diz:
acho q todos tiveram a mesma visão
Paula diz:
qual?
Zeca diz:
jesus apareceu pra mim em um sonho
Zeca diz:
e disse
Zeca diz:
NAO PERMITA QUE PAULA CORTE O CABELO
Paula diz:
hahahahahahahahahahaha
Paula diz:
meu deeeeeeeeeeeeeeus
Paula diz:
eu realmente devo ser muito feia de cabelo curto
Paula diz:
hahahahahaha
Zeca diz:
nem nem, é gatinha extreme
Zeca diz:
mas cabelo curto foi sua fase recente
Paula diz:
claro que nao
Zeca diz:
queremos paulinha bethania
Paula diz:
se não, vc nao faria tanta campanha
Zeca diz:
depois quando vc estiver cabeludona super juba, vc corta curtinhozinho
Zeca diz:
aí sim vc vai chocar
Paula diz:
sim
Paula diz:
já me convenceu
Paula diz:
vou até botar no blog agora
Zeca diz:
;)
Paula diz:
:(


Pronto, minha gente, acabou esta merda, não aguento mais o povo fazendo campanha para eu não cortar o cabelo, estou convencida de que seria um erro grave, tamanho o esforço da galera para evitar o desastre.

Rumo à Paula Bethania, ou enquanto durar minha força de vontade.

27 de agosto de 2007

Crescer ou não crescer: eis a questão

No dia em que fiz 18 anos, em 26 de abril de 1999, eu passei algumas horas da minha tarde num salão de beleza. O objetivo era simples: mudança radical.

Deixei para trás as minhas longas madeixas, que tinham me acompanhado a vida inteira, e apareci na minha festinha de aniversário de cabelinho curto, com mechas muito doidas, do vermelho ao dourado. Meu namorado nem me reconheceu quando me viu. Era todo mundo de boca aberta.

Desde então, nunca mais meus cabelos passaram dos ombros. Vez ou outra, decido que vou deixar crescer, pra ficar grandão, pra ver chegar perto da cintura, como era. Mas... vai chegando no ombro e eu desisto e meto tesoura outra vez e começo tudo de novo.

Estou novamente neste momento de impasse: estou doida pra ver meu cabelão de volta, mas também já estou doida pra ter ele curtinho again.

E agora, José?

E agora que marquei um corte pra esta semana. Ainda não sei o destino que darei à cabeleira: pode ser só uma ajeitada ou pode ser tesoura drástica. Pode ser que eu siga rumo ao cabelo imenso e pode ser que eu assuma que eu nasci mesmo pra ter cabelo de macho - é uma fixação, eu vejo mulher de cabelo curto na rua e fico nervosa, com vontade de correr ao salão mais próximo...

Qual seu voto?
Me ajudem.




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Update:
Controle de votação:

Samantha - corta.
Zeca - não corta.
Ernesto - corta.
Nanda - não corta.
Fabrício - não corta.
Rabuja - corta.
Nana - não corta.
Rafaela Novais - não corta.
Malcon - corta.
Alex - corta.
Hugo - corta.
Leo Marques - não corta.
Luisão - raspa!
JP - corta.
Clóvis - não corta.
Marcela - corta.
Dimitri - corta.
Magda - não corta.
Drá - não corta.
Fefê - não corta.
Samira - corta.
Leo Cravo - corta.
Ricardo - corta.
Fábio - não corta.
Angelo - não corta.
Rafaela Manzo - não corta.
Tarso - não corta.
Thiago Brandão - corta.
Dona Mel - corta.
Tiago Aziz - não corta.
Candido - não corta.
Thiago Trad - não corta.
René - não corta.
Pedro - não corta.

Corta - 14
Não corta - 19
Raspa! - 1

19 de agosto de 2007

Todo castigo para pobre é pouco

- Não, Paula, que é isso? Sexta-feira à noite em casa é coisa de depressão profunda, fim de carreira.
- Esqueça, amiga, não tenho um real, não dá não.
- Ah, eu não acredito...
- Ô, fazer o quê? Se tivesse um programa-de-graça-boca-livre...
- Então, hoje tem calourada, é de graça e eu compro uma garrafa de vodca. Vamos?
- Vamos.

E ela veio me buscar. No carro, cinco pessoas, uma garrafa de vodca, outra de vinho, um isopor com cervejas, gelo, refrigerantes. Fartura. Farra pura, xixi no mato, Beatles e forró. Nunca mais tinha dançado tanto forró, delícia-delícia.

- Tá na hora de ir, né?
- É, chega, vou chamar o povo.
- A outra lá disse que vai ficar por aqui, vai voltar com o morenaço dela.
- E ela não vai mais dormir em sua casa?
- Vai sim, por causa do compromisso de amanhã, ela vai sair com ele e vai depois lá pra casa, deve me bater na porta de madrugada.
- Que inveja.
- Invejona.

Fomos embora. No carro, quatro pessoas, uma garrafa de vodca vazia, a de vinho ficou no lixo, o gelo derreteu e ainda sobraram cervejas.

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11 da manhã.
- Cadê você, miséria?
- Oi, amiga, tô indo!
- Porra, fiquei de olho no celular a noite toda, esperando você aparecer, isso são horas?
- Calma, amiga, tô indo.
- A gente tem de correr, peste, lembra que você tem compromisso às 13 horas?
- Tô ligada, amiga, não se preocupe, tô chegando.

11:30.
- Que porra de "tô chegando" é essa? São 11:30, porrinha.
- Oh, amiga, eu estou a caminho, estou aqui andando com o moreno.
- Andando? Andando onde? Como assim?
- Andando, amiga, fique calma, eu estou chegando.
- Pare com esta porra de andar e venha logo.
- Se eu parar de andar, eu não chego.
- Ahn?
- Paula, fique calma, eu estou indo.

11:45.
- Você está de sacanagem, né?
- Estou andando.
- Você está vindo andando?
- Estamos andando.
- Sim, dá para me explicar isso? Você está vindo andando?
- Não, nããããão!... Que nada! Você acha??? Quer dizer... É... Bem, estamos apenas caminhando...
- ...
- Olhando o mar, passeando, não é legal?
- ...
- Amiga, me dê mais uns minutos, tô chegando.

12:15.
- Paula, cheguei.

Abro a janela para ver a peça lá embaixo e mandar ela esperar que eu já ia descer correndo pra gente sair. Ela me arregala os olhos, pálida, cara de desespero.
- Amiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiga, pelamordedeus, abra a porta, se eu não beber água, eu morro, preciso de água, água, água.
- Aff, tá bom, espera aí.
- Paulaaaaaa, pelamordedeus, eu estou morrendo, vim andando da Pituba até aqui, atravessei aquela Manoel Dias inteira, Amaralina, Rio Vermelho, abra a porta, rápido, me salve.

E lá sobe a mulher, toda torta, toda dura, mancando, perna bamba, salto alto, pés inchados, cara de louca e seca de sede. O homem não era motorizado. E ela saiu do motel sem dinheiro nenhum, disfarçou o papo, atravessou uns bons quilômetros repetindo o quanto gostava de andar, o quanto era agradável passear ao lado do mar, vamos caminhar juntinhos, e lá foram os dois, ressaqueados, sem dormir direito, debaixo de um sol escaldante, cheios de sorriso falso na cara: a situação ridícula do ano. Passou o resto do dia dolorida, sem forças e gemendo ao se movimentar, ui, ai, ui, socorro.

Todo castigo para pobre é muito pouco.