Arturo escreveu comentário no post passado:
"Passou fevereiro e nada de você escrever aqui. E aí? Cadê tu?"
Pois é: eis que, pela primeira vez desde que foi criado, justamente num fevereiro, em 2007, este blog viu um mês passar em branco, sem nada escrito, nem mesmo uma enrolação qualquer com objetivo único de evitar que isto tivesse acontecido – artimanha besta que foi frequente aqui nos últimos tempos.
Ser blogueira dá trabalho e demanda tempo que, como eu já citei incontáveis vezes, tenho preferido (ou sido obrigada a) gastar com outras coisas. Engraçado que escrever, ainda que seja uma das coisas que mais gosto na vida, não me é, nem nunca foi, uma compulsão frenética, pelo menos se é para sair algo minimamente legal. Eu não sei inventar assunto nem criar história; eu só consigo falar de coisas táteis. Fazer o quê.
Trabalho também dá a assimilação da nova ortografia, já que neste instante, enquanto escrevo, o corretor do Word berra pelo trema que o frequente lá de cima (e daqui também, agora) costumava ter. Eu adoro trema, minha gente, fico tentada a ceder. Também adoro os acentos roubados dos ditongos ei e oi de palavras paroxítonas como ideia e jiboia. Não me acostumei ainda com as "estreias da semana" publicadas pela imprensa.
Alguém sabe uma maneira de adaptar este programa às novas regras? Fico adicionando palavra por palavra ao dicionário, imagino que haja maneira mais eficiente de evitar a autocorreção.
No mais, ter que reaprender a escrever algumas coisas e estudar este acordo vai acabar, espero, sendo divertido.
Descobri um livrinho ótimo: comprei pra mim e dei também de presente para a sogritcha, minha colega deste mundo da formalidade da língua.
Voltarei em breve para falar mal de Quem Quer Ser Um Milionário? Foi para isso, aliás, que eu dei as caras, mas me perdi no "oi" e fiquei com sono. Filme ruim não é novidade; novidade é filme ruim ovacionado deste jeito.
25 de março de 2009
20 de janeiro de 2009
O pior trocadilho: isso é Dez!
Hoje eu me emocionei lendo o Caderno Dez!, aquele semanal que sai às terças-feiras no nosso jornal A Tarde – o maior e mais respeitado impresso do estado (o que, apesar da pouca concorrência e das condições do jornalismo baiano, não é pouca coisa).
O A Tarde faz parte de minha vida desde sempre, não apenas pelo fato citado acima, mas também porque cresci com um avô que trabalhava no veículo e que passeava com freqüência altíssima trajando com orgulho camisas e bonés com o boneco do negrinho jornaleiro que exibia um exemplar em mãos (alguém mais, além de mim, lembra desta imagem?). "Meu avô trabalha no jornal", eu tinha um orgulho natural daquilo, como se fosse uma predisposição genética – ou predestinação – ter nascido neta de quem podia escrever pra um bocado de gente ler. Mas não se trata disso. Vamos lá.
O Caderno Dez! é o apêndice adolescente do A Tarde. Para não me confessar adolescente-tardia assim às claras, já que sou viciada e leio toda semana, me ponho a acrescentar que é um produto que extrapola as questões que estampam as capas de revistas voltadas a este público – não me lembro de tê-los visto gastar espaço com as síndromes clichês que costumam ser discutidas retardadamente por aí. Sem histeria, sem dicas de maquiagem, sem fixações. Ok, às vezes eles dão umas escorregadas chatas, mas isso acontece com quem tenta acertar.
Aos poucos, eu fui reconhecendo o estilo e o posicionamento dos que nele escrevem – ou escreviam – e construindo com eles minhas discussões – porque é claro que eu fazia meus diálogos. Entre estas pessoas, gente com quem me cruzei posteriormente nos rumos que a vida toma – Nadja Vladi, que respondia pela editoria do caderno (e que saiu agora para assumir o comando da revista Muito, também do A Tarde), foi minha professora na faculdade; Luciano Matos já riu de mim mil vezes, que eu vi; Chico Castro até me escreveu e-mail (que, aliás, eu guardo com carinho danado) elogiando meu trabalho. Já com Ricardo Cury, que virou colunista há pouco, eu me cruzei anteriormente – de um jeito que me dá uma ponta de orgulho parecida com a que sentia em relação ao vovô, porque acho massa ele também estar escrevendo cada vez mais pra um bocado de gente ler. Aliás, cabe dizer, foi Cury quem me despertou o olhar para o Dez!. Eu conhecia, futucava vez ou outra, mas foi ele quem, há um tempão (quando, penso, ele nem sonhava em entrar para a equipe), me disse assim: “Eu compro o A Tarde só nas terças-feiras, para ler o Dez!”. Fiquei curiosa, né? Fiquei. Mas também não se trata disso. Vamos lá.
Eu estava no Beatles Social Club especial de fim de ano, lá pelos últimos dias de 2007. Sendo um evento comemorativo, saiu dos limites da Companhia da Pizza, que o produz, e tomou a Praça Brigadeiro Faria Rocha e as ruas ao redor, no Rio Vermelho. O palco armado receberia uma grade de atrações extensa. Não vou lembrar agora a lista dos artistas que se apresentaram, tampouco a dos que estavam previstos para se apresentar e não o fizeram – é que o burburinho foi interrompido no meio pela polícia, que chegou lá e acabou com a festa.
Mas eu lembro, isso eu lembro, que Glauber ia cantar. Lembro porque a presença dele estava causando expectativa. Lembro porque a minha memória mais antiga de um show de rock, onde fui parar meio por acaso quando eu tinha, sei lá, uns quinze anos, é do Dead Billies enlouquecendo todo mundo. Lembro porque eu nunca esqueci daquela cena, da performance, do cenário daquela noite. Lembro porque eu disse “gente, que cantor fantástico!” e porque o reconheci para sempre, toda vez que o vi – andando por aí e em cima dos palcos, mesmo muito tempo depois.
Estava todo mundo querendo ver Glauber e Glauber não cantou. A polícia chegou no momento exato. Ficou todo mundo puto.
- Oi, Cordemel!
- Ahn?
- Tudo bem, Cordemel?
- Tudo...
- Sim, eu te conheço. Fábio Cascadura fala muito bem de você e te vejo pelo fotolog vez ou outra. Muito prazer, Cordemel!
- Sim, eu também te conheço! E me é uma honra ser reconhecida por você. Muito prazer, Glauber.
E a gente conversou pra cacete. Voltei para casa com um link e o e-mail dele anotados.
Glauber,
Já baixei todas as músicas. Adorei!
Tralalá, tralalá. Escrevi babando o ovo. Eu apaixonei por algumas faixas assim, na primeira ouvida. Confesso que, no primeiro instante, eu me assustei com o que ouvi: “Oxe, é Glauber fazendo isso? E é???”. Mas durou meio segundo e desconstruí e fiquei amarradona e repeti mil vezes e decorei letras e espalhei a notícia.
Hoje, o Caderno Dez! anunciava em um dos destaques de capa: “Teclas Pretas é o novo projeto de Glauber Guimarães”. E dentro, lá na página 7, na matéria intitulada “O artista se reinventa”, Chicão Castro foi detonador. Foi sensacional. Foi um jornalista da porra! Ele colocou assumidamente na gaveta a pretensa e mítica objetividade jornalística e disse, com todas as letras, que era incapaz de se segurar. Deixou que todo mundo visse sua absoluta parcialidade em associar Glauber à obrigação de fazer elogios. Deu para ver a cara de vibração e para ouvir algo como “putaquepariu, esse cara é foda!”. E, deste jeito cheio de subjetividade, usando adjetivações tão conotativas quanto “incrível”, ele conseguiu informar de forma certeira o que é o Teclas Pretas – e deixou claro o que a paixão pela música, pela história do rock na Bahia e pelo compromisso com a honestidade é capaz de fazer com um profissional do tal 4º poder.
Então, como eu disse, hoje eu me emocionei lendo o Caderno Dez!.
Por poder testemunhar isso, por conhecer estes caras, por haver coisas boas para aplaudir.
Leia AQUI o citado texto de Chico Castro, "O artista se reinventa", Coluna Coletânea - Caderno Dez! - Jornal A Tarde, terça-feira, 20 de janeiro de 2009.
O A Tarde faz parte de minha vida desde sempre, não apenas pelo fato citado acima, mas também porque cresci com um avô que trabalhava no veículo e que passeava com freqüência altíssima trajando com orgulho camisas e bonés com o boneco do negrinho jornaleiro que exibia um exemplar em mãos (alguém mais, além de mim, lembra desta imagem?). "Meu avô trabalha no jornal", eu tinha um orgulho natural daquilo, como se fosse uma predisposição genética – ou predestinação – ter nascido neta de quem podia escrever pra um bocado de gente ler. Mas não se trata disso. Vamos lá.
O Caderno Dez! é o apêndice adolescente do A Tarde. Para não me confessar adolescente-tardia assim às claras, já que sou viciada e leio toda semana, me ponho a acrescentar que é um produto que extrapola as questões que estampam as capas de revistas voltadas a este público – não me lembro de tê-los visto gastar espaço com as síndromes clichês que costumam ser discutidas retardadamente por aí. Sem histeria, sem dicas de maquiagem, sem fixações. Ok, às vezes eles dão umas escorregadas chatas, mas isso acontece com quem tenta acertar.
Aos poucos, eu fui reconhecendo o estilo e o posicionamento dos que nele escrevem – ou escreviam – e construindo com eles minhas discussões – porque é claro que eu fazia meus diálogos. Entre estas pessoas, gente com quem me cruzei posteriormente nos rumos que a vida toma – Nadja Vladi, que respondia pela editoria do caderno (e que saiu agora para assumir o comando da revista Muito, também do A Tarde), foi minha professora na faculdade; Luciano Matos já riu de mim mil vezes, que eu vi; Chico Castro até me escreveu e-mail (que, aliás, eu guardo com carinho danado) elogiando meu trabalho. Já com Ricardo Cury, que virou colunista há pouco, eu me cruzei anteriormente – de um jeito que me dá uma ponta de orgulho parecida com a que sentia em relação ao vovô, porque acho massa ele também estar escrevendo cada vez mais pra um bocado de gente ler. Aliás, cabe dizer, foi Cury quem me despertou o olhar para o Dez!. Eu conhecia, futucava vez ou outra, mas foi ele quem, há um tempão (quando, penso, ele nem sonhava em entrar para a equipe), me disse assim: “Eu compro o A Tarde só nas terças-feiras, para ler o Dez!”. Fiquei curiosa, né? Fiquei. Mas também não se trata disso. Vamos lá.
Eu estava no Beatles Social Club especial de fim de ano, lá pelos últimos dias de 2007. Sendo um evento comemorativo, saiu dos limites da Companhia da Pizza, que o produz, e tomou a Praça Brigadeiro Faria Rocha e as ruas ao redor, no Rio Vermelho. O palco armado receberia uma grade de atrações extensa. Não vou lembrar agora a lista dos artistas que se apresentaram, tampouco a dos que estavam previstos para se apresentar e não o fizeram – é que o burburinho foi interrompido no meio pela polícia, que chegou lá e acabou com a festa.
Mas eu lembro, isso eu lembro, que Glauber ia cantar. Lembro porque a presença dele estava causando expectativa. Lembro porque a minha memória mais antiga de um show de rock, onde fui parar meio por acaso quando eu tinha, sei lá, uns quinze anos, é do Dead Billies enlouquecendo todo mundo. Lembro porque eu nunca esqueci daquela cena, da performance, do cenário daquela noite. Lembro porque eu disse “gente, que cantor fantástico!” e porque o reconheci para sempre, toda vez que o vi – andando por aí e em cima dos palcos, mesmo muito tempo depois.
Estava todo mundo querendo ver Glauber e Glauber não cantou. A polícia chegou no momento exato. Ficou todo mundo puto.
- Oi, Cordemel!
- Ahn?
- Tudo bem, Cordemel?
- Tudo...
- Sim, eu te conheço. Fábio Cascadura fala muito bem de você e te vejo pelo fotolog vez ou outra. Muito prazer, Cordemel!
- Sim, eu também te conheço! E me é uma honra ser reconhecida por você. Muito prazer, Glauber.
E a gente conversou pra cacete. Voltei para casa com um link e o e-mail dele anotados.
Glauber,
Já baixei todas as músicas. Adorei!
Tralalá, tralalá. Escrevi babando o ovo. Eu apaixonei por algumas faixas assim, na primeira ouvida. Confesso que, no primeiro instante, eu me assustei com o que ouvi: “Oxe, é Glauber fazendo isso? E é???”. Mas durou meio segundo e desconstruí e fiquei amarradona e repeti mil vezes e decorei letras e espalhei a notícia.
Hoje, o Caderno Dez! anunciava em um dos destaques de capa: “Teclas Pretas é o novo projeto de Glauber Guimarães”. E dentro, lá na página 7, na matéria intitulada “O artista se reinventa”, Chicão Castro foi detonador. Foi sensacional. Foi um jornalista da porra! Ele colocou assumidamente na gaveta a pretensa e mítica objetividade jornalística e disse, com todas as letras, que era incapaz de se segurar. Deixou que todo mundo visse sua absoluta parcialidade em associar Glauber à obrigação de fazer elogios. Deu para ver a cara de vibração e para ouvir algo como “putaquepariu, esse cara é foda!”. E, deste jeito cheio de subjetividade, usando adjetivações tão conotativas quanto “incrível”, ele conseguiu informar de forma certeira o que é o Teclas Pretas – e deixou claro o que a paixão pela música, pela história do rock na Bahia e pelo compromisso com a honestidade é capaz de fazer com um profissional do tal 4º poder.
Então, como eu disse, hoje eu me emocionei lendo o Caderno Dez!.
Por poder testemunhar isso, por conhecer estes caras, por haver coisas boas para aplaudir.
Leia AQUI o citado texto de Chico Castro, "O artista se reinventa", Coluna Coletânea - Caderno Dez! - Jornal A Tarde, terça-feira, 20 de janeiro de 2009.
29 de dezembro de 2008
No ano que vai nascer
Fim de ano me deixa com uma sensação de suspensão. É engraçado. Eu vejo mesmo tudo um pouquinho diferente - e é também por isso que, na verdade, por mais que eu disfarce, sou tão clichê que parece forçado.
Estou ocupada com trabalho, com investimentos, com vida e amor. Amor pra caralho, estou vivendo o sentimento sem parar, sem deixar escapar nada, eu fico amando o meu amor o tempo todo. Escrever, assim, não tem como ser uma prioridade. É isso. Acho que este blog acabará falecendo no ano novo...
E que faleçam as coisas falíveis e que se concretize e permaneça o que merece ficar.
Feliz 2009, meu povo.
(Já começou minha hora de chorar.)
Estou ocupada com trabalho, com investimentos, com vida e amor. Amor pra caralho, estou vivendo o sentimento sem parar, sem deixar escapar nada, eu fico amando o meu amor o tempo todo. Escrever, assim, não tem como ser uma prioridade. É isso. Acho que este blog acabará falecendo no ano novo...
E que faleçam as coisas falíveis e que se concretize e permaneça o que merece ficar.
Feliz 2009, meu povo.
(Já começou minha hora de chorar.)
30 de novembro de 2008
Eita!
Outro mês acabou, e eu não escrevi.
Aliás, muito escrevi.
Tanto que não tive como escrever especificamente aqui.
Blogs abandonados são um tédio.
Aliás, muito escrevi.
Tanto que não tive como escrever especificamente aqui.
Blogs abandonados são um tédio.
31 de outubro de 2008
22 de setembro de 2008
Dois meses sem vovô
Eu não conto de propósito.
Juro.
Eu não fico me martelando, escrava de registros e datas e recordes e médias e cálculos, para que os números me saltem à mente.
Eles simplesmente vêm.
Eu simplesmente sei que dia é hoje, quanto tempo se passou...
Eu associo memórias logicamente, mesmo que eu não queira. Meu esforço, às vezes, é para deixar de lembrar sempre, deixar de saber que dia é aquele.
E hoje faz dois meses que meu avô morreu.
Juro.
Eu não fico me martelando, escrava de registros e datas e recordes e médias e cálculos, para que os números me saltem à mente.
Eles simplesmente vêm.
Eu simplesmente sei que dia é hoje, quanto tempo se passou...
Eu associo memórias logicamente, mesmo que eu não queira. Meu esforço, às vezes, é para deixar de lembrar sempre, deixar de saber que dia é aquele.
E hoje faz dois meses que meu avô morreu.
10 de setembro de 2008
Acolhimento
Quando eu era pequena, dormir na casa de meu pai sempre era o ato final de um dia gostoso. Como a gente não se via muito, como não havia convívio diário, os encontros com ele eram preparados para ser especiais: dias cheios, idas e vindas, passeios, sol, risadas, almoços e jantares, tudo cheio de alegria. Minhas memórias sobre isso são deliciosas, as sensações que me vêm são de muita satisfação e felicidade.
Depois que as horas passavam e as atividades se esgotavam, chegávamos em casa exaustos, eu e Pedro, meu irmão mais velho, mas nunca livres da árdua tarefa de encarar banho e escovação de dentes. Era difícil manter olhos abertos àquela altura...
Enquanto, então, nos vestíamos e preparávamos as coisas para o dia seguinte, meu pai ia cumprir também o seu ritual. Prontos, eu e Pedro deitávamos e esperávamos ele voltar. Aí meu pai, sereno, entrava no quarto, desdobrava os cobertores já colocados nos pés das camas, sacudia para deixá-los bem soltos e, num movimento embalado umas duas ou três vezes antes do levantamento final, ele cobria cada filho. Um beijo no rosto, um "boa noite" suave no ouvido e o apagar da luz embalavam o sono de modo incomparável.
A soma daquilo tudo – cansaço feliz, banho tomado, lençol limpinho e cheiroso, o ventinho que ainda hoje consigo sentir, o toque do cobertor sobre o corpo e a presença intensa do meu pai – faz esta cena ser a minha maior referência de carinho.
Para mim, não há gesto mais carinhoso do que cobrir alguém.
Depois que as horas passavam e as atividades se esgotavam, chegávamos em casa exaustos, eu e Pedro, meu irmão mais velho, mas nunca livres da árdua tarefa de encarar banho e escovação de dentes. Era difícil manter olhos abertos àquela altura...
Enquanto, então, nos vestíamos e preparávamos as coisas para o dia seguinte, meu pai ia cumprir também o seu ritual. Prontos, eu e Pedro deitávamos e esperávamos ele voltar. Aí meu pai, sereno, entrava no quarto, desdobrava os cobertores já colocados nos pés das camas, sacudia para deixá-los bem soltos e, num movimento embalado umas duas ou três vezes antes do levantamento final, ele cobria cada filho. Um beijo no rosto, um "boa noite" suave no ouvido e o apagar da luz embalavam o sono de modo incomparável.
A soma daquilo tudo – cansaço feliz, banho tomado, lençol limpinho e cheiroso, o ventinho que ainda hoje consigo sentir, o toque do cobertor sobre o corpo e a presença intensa do meu pai – faz esta cena ser a minha maior referência de carinho.
Para mim, não há gesto mais carinhoso do que cobrir alguém.

13 de agosto de 2008
Vida
O cheiro que eu carrego é nosso.
O cheiro que me vem ininterrupto, que me faz fechar os olhos e sorrir.
O cheiro que se sobressai enquanto caminho, enquanto trabalho, enquanto me lavo, enquanto sigo vivendo.
O cheiro que eu carrego é nosso.
Olho para a esquerda
e te vejo dormir.
- Dorme, dorme,
meu amor.
Dorme bem e
sonha com o nosso
cheiro...
O cheiro que me vem ininterrupto, que me faz fechar os olhos e sorrir.
O cheiro que se sobressai enquanto caminho, enquanto trabalho, enquanto me lavo, enquanto sigo vivendo.
O cheiro que eu carrego é nosso.
Olho para a esquerda
e te vejo dormir.
- Dorme, dorme,
meu amor.
Dorme bem e
sonha com o nosso
cheiro...
12 de agosto de 2008
O tempo do meu avô - e eu
A morte nunca me pegou de surpresa. Nunca me deu uma rasteira. A morte, pelo menos ainda, não me é um problema.
Meu avô não achava o mesmo. Ele falava sobre a dor que considerava ser a pior coisa do envelhecer: assistir a novas partidas com freqüência, ver as pessoas que fizeram parte da sua história, que foram seus irmãos, amigos, parceiros, irem embora, um por um, numa contagem duramente regressiva. E ficar esperando a sua vez.
Os últimos anos de vida de meu avô foram marcados pelo desconforto que a saúde frágil lhe trazia. Faltava fôlego para a mente absolutamente sã. Ele chorava de dor e quando o ar lhe sumia. Se espremia enquanto a lágrima caía e dizia que era insuportável a idéia de se separar de todos nós, prevendo uma saudade que a descrença na vida eterna não o impedia de temer.
A morte lhe foi natural, na hora em que tudo já foi feito. Assim, dói menos. Oitenta e dois anos de casos a contar – e que a sua memória impressionante resgatava em detalhes. Era bonito quando ele, logo após alguma reclamação chorosa sobre alguma dor sentida, se refazia de supetão e declamava um poema, ou cantava uma das canções do repertório que creio ter sido só dele, batendo palmas, sorrindo satisfeito, como que pensando o quanto aquilo era prazeroso e que sempre haveria algo feliz para compensar. Ele nunca falava ou cantava uma vez só. Repetia as palavras, depois, pausadamente, querendo que os que estivessem ao seu lado enxergassem o que via: “Você ouviu isso? Isso é lindo!”.
Meu avô era médico mas nem dava opção para a minha mãe pedir, nas muitas vezes em que precisei tomar alguma injeção, que ele cumprisse a tarefa. Ele o fez uma vez só e depois cortou a possibilidade: “Não consigo encarar assim a dor de minha neta”. O seu modo de amar era enorme, exagerado, muito próprio, dentro de suas convicções. É, meu avô era uma pessoa cheia de certezas, ele tinha muita consciência das coisas que pensava... Mas, acima de tudo, era um ser de paixões, de encantamento, de olhinhos brilhando diante de um bom filme, uma boa dança, uma boa música, uma boa comida, um bom encontro.
Pude contar com a presença intensa de meu avô durante todos meus 27 anos. Não julgo se foi pouco ou muito, porque o que me fica é, por fim, suficiente. Vê-lo partir com dignidade, deixando tantas marcas, tendo feito tantas coisas, assinando um nome respeitado, me faz enxergar a sua morte com serenidade. Sim, é difícil lembrar do nosso último encontro, quando o levamos para o hospital, porque ali tudo já estava anunciado, a energia já estava escapando... Mas, não existindo definhamento, excessos, surpresas, indignação, não há o que questionar da vida que cumpre justamente seu papel.
Fica a saudade e, com ela, sigo em frente.
Foi massa o nosso tempo juntos.
22 de maio de 1996
Minha querida neta Paulinha,
Me lembrei de um conhecido poema chamado Escalada, do poeta Judas Isgorogota. Vale a pena repetir:
A sua escalada, minha neta, será bem diferente. Não será dramática como a do poeta. É uma escalada para atingir um ponto mais alto no seu desenvolvimento. Isso é muito bom e fico muito alegre. Você é uma menina, talvez fosse melhor eu ter dito uma jovem, de muitas qualidades, apenas um pouco calada demais. Porém é de sua natureza e temos de aceitá-la assim. Você é boa, estudiosa, inteligente, sincera e bonita. Na sua escalada, atingirá alturas celestiais e fico muito orgulhoso com isso. Espero que não esqueça seu avô que lhe adora desde o momento em que lhe viu pela primeira vez, com poucos minutos de nascida. Quando chegar lá em cima, na sua escalada, lembre-se de mim e de sua avó, que estamos cá embaixo. E que a escalada de agora seja a primeira que você fará em sua vida, outras virão, mais importantes, porém a primeira é sempre a fundamental.
Beijos do seu avô
José Augusto.
Postado aqui, sobre ele, em novembro passado: Grandpa.
E cá, no Youtube, ele cantando uma de suas musiquinhas.
Meu avô não achava o mesmo. Ele falava sobre a dor que considerava ser a pior coisa do envelhecer: assistir a novas partidas com freqüência, ver as pessoas que fizeram parte da sua história, que foram seus irmãos, amigos, parceiros, irem embora, um por um, numa contagem duramente regressiva. E ficar esperando a sua vez.
Os últimos anos de vida de meu avô foram marcados pelo desconforto que a saúde frágil lhe trazia. Faltava fôlego para a mente absolutamente sã. Ele chorava de dor e quando o ar lhe sumia. Se espremia enquanto a lágrima caía e dizia que era insuportável a idéia de se separar de todos nós, prevendo uma saudade que a descrença na vida eterna não o impedia de temer.
A morte lhe foi natural, na hora em que tudo já foi feito. Assim, dói menos. Oitenta e dois anos de casos a contar – e que a sua memória impressionante resgatava em detalhes. Era bonito quando ele, logo após alguma reclamação chorosa sobre alguma dor sentida, se refazia de supetão e declamava um poema, ou cantava uma das canções do repertório que creio ter sido só dele, batendo palmas, sorrindo satisfeito, como que pensando o quanto aquilo era prazeroso e que sempre haveria algo feliz para compensar. Ele nunca falava ou cantava uma vez só. Repetia as palavras, depois, pausadamente, querendo que os que estivessem ao seu lado enxergassem o que via: “Você ouviu isso? Isso é lindo!”.
Meu avô era médico mas nem dava opção para a minha mãe pedir, nas muitas vezes em que precisei tomar alguma injeção, que ele cumprisse a tarefa. Ele o fez uma vez só e depois cortou a possibilidade: “Não consigo encarar assim a dor de minha neta”. O seu modo de amar era enorme, exagerado, muito próprio, dentro de suas convicções. É, meu avô era uma pessoa cheia de certezas, ele tinha muita consciência das coisas que pensava... Mas, acima de tudo, era um ser de paixões, de encantamento, de olhinhos brilhando diante de um bom filme, uma boa dança, uma boa música, uma boa comida, um bom encontro.
Pude contar com a presença intensa de meu avô durante todos meus 27 anos. Não julgo se foi pouco ou muito, porque o que me fica é, por fim, suficiente. Vê-lo partir com dignidade, deixando tantas marcas, tendo feito tantas coisas, assinando um nome respeitado, me faz enxergar a sua morte com serenidade. Sim, é difícil lembrar do nosso último encontro, quando o levamos para o hospital, porque ali tudo já estava anunciado, a energia já estava escapando... Mas, não existindo definhamento, excessos, surpresas, indignação, não há o que questionar da vida que cumpre justamente seu papel.
Fica a saudade e, com ela, sigo em frente.
Foi massa o nosso tempo juntos.
22 de maio de 1996
Minha querida neta Paulinha,
Me lembrei de um conhecido poema chamado Escalada, do poeta Judas Isgorogota. Vale a pena repetir:
Escalada
Tentaremos nós dois esta escalada.
Toda escalada deve ser assim:
Rude, feroz, hostil, acidentada.
Quando cansares, firmarás em mim
A tua mão cansada e minha mão cansada
Contigo subirá até o fim.
- Mas se o destino que dirige os seres
Quiser que eu volte ao de onde eu vim?
Se eu descer amanhã? – Se tu desceres,
Contigo descerei até o fim.
Tentaremos nós dois esta escalada.
Toda escalada deve ser assim:
Rude, feroz, hostil, acidentada.
Quando cansares, firmarás em mim
A tua mão cansada e minha mão cansada
Contigo subirá até o fim.
- Mas se o destino que dirige os seres
Quiser que eu volte ao de onde eu vim?
Se eu descer amanhã? – Se tu desceres,
Contigo descerei até o fim.
A sua escalada, minha neta, será bem diferente. Não será dramática como a do poeta. É uma escalada para atingir um ponto mais alto no seu desenvolvimento. Isso é muito bom e fico muito alegre. Você é uma menina, talvez fosse melhor eu ter dito uma jovem, de muitas qualidades, apenas um pouco calada demais. Porém é de sua natureza e temos de aceitá-la assim. Você é boa, estudiosa, inteligente, sincera e bonita. Na sua escalada, atingirá alturas celestiais e fico muito orgulhoso com isso. Espero que não esqueça seu avô que lhe adora desde o momento em que lhe viu pela primeira vez, com poucos minutos de nascida. Quando chegar lá em cima, na sua escalada, lembre-se de mim e de sua avó, que estamos cá embaixo. E que a escalada de agora seja a primeira que você fará em sua vida, outras virão, mais importantes, porém a primeira é sempre a fundamental.
Beijos do seu avô
José Augusto.
Postado aqui, sobre ele, em novembro passado: Grandpa.
E cá, no Youtube, ele cantando uma de suas musiquinhas.
23 de julho de 2008
Ele me fazia rir

- Vô, chegou o presente de Natal que Naná mandou para você!

- Meu Deus, o que é isso? O que será que Naná aprontou desta vez?
- Naná, minha afilhada pervertida! Hahahahahahahaha! Adorei! Você só traz felicidade a seu lôro velho!

- Vou dormir ao lado dela todos os dias! Lícia vai ficar com ciúme!

- Mas deixa eu vestir minha nova companheira, porque ela é uma moça comportada.
Agora batizada de Gorete por minha linda amiga Viviane, a boneca foi o que exigi de minha parte na herança.
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